Benefícios do DHA | Blog Nutrify

DHA: Benefícios e utilização na prática clínica

Os ácidos graxos (AG) pertencem a uma classe de lipídios que são divididos de acordo com o número de carbonos e a posição da ligação dupla na cadeia. Os AG são divididos em ácidos graxos saturados (nenhuma ligação dupla), monoinsaturados (uma ligação dupla) e poli-insaturados (duas ou mais ligações duplas). Dentro do último grupo, encontra-se uma subclasse conhecida como os ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LC PUFA), composta por três principais AG do tipo ômega-3 (primeira ligação dupla no carbono 3 a partir do radical metila): ácido alfa-linolênico (AAL), ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA) (4) (07) (10).

O EPA e DHA são classificados como AG essenciais, ou seja, não são produzidos pelo organismo. Dessa maneira, precisam ser obtidos a partir da alimentação como óleo de peixe e plantas (ex: algas, salmão, cavala, atum, sardinha, arenque). Existe a possibilidade de sintetizar EPA e DHA a partir do AAL, encontrado em alimentos vegetais (óleo de linhaça, óleo de canola, nozes e vegetais verde-escuro). Entretanto, o percentual de conversão é pequeno (~5%), sendo insuficiente para garantir os benefícios destes nutrientes (4) (6).

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O DHA vem sendo estudado no âmbito da nutrição, neurodesenvolvimento e imunologia. Apresenta benefícios consistentes para a saúde como propriedades anti-inflamatória, antiproliferativa, antiangiogênica e antioxidante. Acredita-se que ele pode atuar modulando o mecanismo de início, meio e fim da inflamação, desempenhando um efeito protetor contra a resposta inflamatória (2) (7).

Presente na sua forma metabolicamente ativa, representa cerca de 20% dos lipídios presentes no cérebro e na retina humana, evidenciando sua importância para cognição e saúde da visão, além de ser fundamental para a formação e maturação normal do cérebro desde a gestação até infância e adolescência (7) (5).

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Após o primeiro trimestre gestacional, com o fechamento do tubo neural e o início da formação da massa cinzenta, o DHA começa a ser acumulado no cérebro. Essa condição se prolonga até os dois anos de idade. Entretanto, por ser um aminoácido essencial, o organismo não é capaz de produzi-lo e as concentrações fornecidas pela mãe diminuem ao longo da gestação, ou seja, a quantidade de DHA disponível para o feto será determinada pela dieta materna. Por essa razão a suplementação de DHA durante a gestação é de extrema importância, diminuindo os riscos de complicações durante a gravidez, como restrição do crescimento intrauterino, pré-eclâmpsia e partos prematuros; eleva a expressão de proteínas transportadoras de ácidos graxos através da placenta. Dessa maneira, aumenta a disponibilidade de DHA para mãe e bebê. Vale ressaltar que o leite materno possui DHA proveniente da alimentação, mas nem todas as fórmulas infantis são enriquecidas com esse AG (2) (5) (10).

Em 2020, Massari et al. avaliou o efeito da suplementação de micronutrientes (12 vitaminas e 6 minerais) + 200mg de DHA versus nenhuma suplementação durante a gestação de mulheres saudáveis de 18 a 42 anos. O protocolo iniciou na 13-15 semana gestacional e finalizou no parto. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que, apesar do número da amostra pequeno, a suplementação de DHA é um complemento essencial durante a gestação para melhora do desenvolvimento cerebral e visual do feto e imunomodulação. Entretanto, Valentina et al. validou que uma dose maior, 1000mg/dia, de DHA foi superior a 200mg/dia na prevenção de partos prematuros. Isso acontece porque o DHA durante a gravidez favorece a regulação imunomoduladora no início do parto, afetando os níveis de mediadores inflamatórios como os produtos finais de glicação avançada (AGEs) e interleucina-6 (IL-6), reduzindo o risco de parto prematuro. Já Carlson et al. avaliou a suplementação de 1000mg/dia e 200mg/dia em 1100 gestantes e notou que as mulheres que iniciaram o protocolo com baixos níveis de DHA obtiveram resultados mais positivos do que aquelas com níveis altos de DHA. Umas das revisões mais recentes da Cochrane apoia a suplementação de 500-100mg/dia de DHA durante a gestação.

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A suplementação de ômega pode melhorar a ligação e a sinalização de neurotransmissores no cérebro, mantendo uma ótima fluidez da membrana, otimizando a função do canal de proteínas na bicamada lipídica. Além disso, o DHA promove a translocação do transportador de glicose GLUT4 nos adipócitos, melhorando a captação de glicose. Contudo, sua deficiência a nível cerebral pode favorecer um ambiente pró-inflamatório e o desenvolvimento/agravamento de desordens mentais, reduzindo a densidade das vesículas sinápticas nos terminais do hipocampo em 30%, os níveis de fosfatidilserina no cérebro em 35%, a captação de glicose nos neurônios em 30% e a liberação de dopamina estimulada por tiramina em 90% (redução da sinalização de dopamina e serotonina) (4).

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Ciappolino et al. submeteu 31 indivíduos diagnosticados com transtorno bipolar a suplementação de 1250 mg/dia de DHA versus placebo durante 12 semanas e observou que não houve diferenças significativas entre os grupos em todos os testes neuropsicológicos, exceto no teste de inibição de emoção, no qual os pacientes suplementados com DHA obtiveram uma melhora significativa no desempenho cognitivo. Já Aralllanes et al. utilizou uma dose de 2g/dia de DHA em 33 indivíduos com 55 anos e histórico familiar de demência durante 6 meses, notando que houve um aumento expressivo de DHA (28%) e EPA (43%) no líquido cefalorraquidiano, com portadores do gene apolipoproteína E (APOE 4 – fator de risco para o desenvolvimento de Alzheimer) tendo um aumento menor do que não portadores. Embora seja possível que a suplementação de DHA não retarde o declínio cognitivo, esse artigo tem um grande impacto, visto que os estudos que utilizaram 1g de DHA não obtiveram resultados positivos. A hipótese é que as doses baixas não foram suficientes para fornecer AG ômega-3 em níveis adequados para o cérebro.

Entrando na sua atuação sobre a visão, o DHA é o AG dominante dos fosfolipídios da retina, portanto, favorece a manutenção da sua integridade ao atuar no desenvolvimento e sobrevivência de nervos e células vasculares da retina e aumento da produção de glutationa (tripeptídeo com papel antioxidante, responsável pela eliminação de xenobióticos e na defesa das células contra o estresse oxidativo). Os estudos mostram que doses de 500-1050 mg/dia de DHA são capazes de amenizar os efeitos negativos do estresse oxidativo em doenças oculares que podem comprometer a visão como diabetes, glaucoma e degeneração macular relacionada à idade (7). Em 2019, Lafuente et al. avaliou 55 pacientes diabéticos suplementados com 1050mg/dia de DHA via oral ou placebo durante 3 anos e notou grande melhora da espessura macular do subcampo central e nos níveis séricos de hemoglobina glicada e IL-6, capacidade antioxidante do plasma e conteúdo de DHA eritrocitário. Já Romeo et al. elaborou um estudo randomizado com 47 pacientes com glaucoma suplementados com 1g/dia de DHA ou placebo durante de 6 meses, concluindo que, apesar da curta duração do tratamento, houve redução significativa da pressão intraocular, sustentando o benefício da suplementação de DHA.

Como demonstrado acima, a suplementação de DHA é considerada promissora e pode favorecer diversos aspectos da saúde durante toda a vida, desde a pré-concepção até o envelhecimento com qualidade. A sua utilização durante a gestação para um ótimo desenvolvimento cerebral e da retina do feto é validada. Entretanto, ainda são necessários mais estudos para determinar uma dose/resposta quanto a melhora da capacidade cognitiva e desordens mentais.

Referências

  1. Arellanes IC, Choe N, Solomon V, He X, Kavin B, Martinez AE, Kono N, Buennagel DP, Hazra N, Kim G, D’Orazio LM, McCleary C, Sagare A, Zlokovic BV, Hodis HN, Mack WJ, Chui HC, Harrington MG, Braskie MN, Schneider LS, Yassine HN. Brain delivery of supplemental docosahexaenoic acid (DHA): A randomized placebo-controlled clinical trial. EBioMedicine. 2020 Sep;59:102883. doi: 10.1016/j.ebiom.2020.102883. Epub 2020 Jul 17. PMID: 32690472; PMCID: PMC7502665.
  2. Carlson SE, Gajewski BJ, Valentine CJ, Kerling EH, Weiner CP, Cackovic M, Buhimschi CS, Rogers LK, Sands SA, Brown AR, Mudaranthakam DP, Crawford SA, DeFranco EA. Higher dose docosahexaenoic acid supplementation during pregnancy and early preterm birth: A randomised, double-blind, adaptive-design superiority trial. EClinicalMedicine. 2021 May 17;36:100905. doi: 10.1016/j.eclinm.2021.100905. PMID: 34308309; PMCID: PMC8257993
  3. Ciappolino V, DelVecchio G, Prunas C, Andreella A, Finos L, Caletti E, Siri F, Mazzocchi A, Botturi A, Turolo S, Agostoni C, Brambilla P. The Effect of DHA Supplementation on Cognition in Patients with Bipolar Disorder: An Exploratory Randomized Control Trial. Nutrients. 2020 Mar 6;12(3):708. doi: 10.3390/nu12030708. PMID: 32155883; PMCID: PMC7146155.
  4. DiNicolantonio JJ, O’Keefe JH. The Importance of Marine Omega-3s for Brain Development and the Prevention and Treatment of Behavior, Mood, and Other Brain Disorders. Nutrients. 2020 Aug 4;12(8):2333. doi: 10.3390/nu12082333. PMID: 32759851; PMCID: PMC7468918.
  5. Gould JF, Roberts RM, Makrides M. The Influence of Omega-3 Long-Chain Polyunsaturated Fatty Acid, Docosahexaenoic Acid, on Child Behavioral Functioning: A Review of Randomized Controlled Trials of DHA Supplementation in Pregnancy, the Neonatal Period and Infancy. Nutrients. 2021 Jan 28;13(2):415. doi: 10.3390/nu13020415. PMID: 33525526; PMCID: PMC7911027.
  6. Lafuente, María MD*; Ortín, Lourdes PhD*; Argente, María MD*; Guindo, José L. PhD*; López-Bernal, María D. MD*; López-Román, Francisco J. MD, PhD, MSc†; Domingo, Joan Carles PhD‡; Lajara, Jerónimo MD*,† THREE-YEAR OUTCOMES IN A RANDOMIZED SINGLE-BLIND CONTROLLED TRIAL OF INTRAVITREAL RANIBIZUMAB AND ORAL SUPPLEMENTATION WITH DOCOSAHEXAENOIC ACID AND ANTIOXIDANTS FOR DIABETIC MACULAR EDEMA, Retina: June 2019 – Volume 39 – Issue 6 – p 1083-1090. doi: 10.1097/IAE.0000000000002114.
  7. Lafuente M, Rodríguez González-Herrero ME, Romeo Villadóniga S, Domingo JC. Antioxidant Activity and Neuroprotective Role of Docosahexaenoic Acid (DHA) Supplementation in Eye Diseases That Can Lead to Blindness: A Narrative Review. Antioxidants (Basel). 2021 Mar 5;10(3):386. doi: 10.3390/antiox10030386. PMID: 33807538; PMCID: PMC8000043.
  8. Massari M, Novielli C, Mandò C, Di Francesco S, Della Porta M, Cazzola R, Panteghini M, Savasi V, Maggini S, Schaefer E, Cetin I. Multiple Micronutrients and Docosahexaenoic Acid Supplementation during Pregnancy: A Randomized Controlled Study. Nutrients. 2020 Aug 13;12(8):2432. doi: 10.3390/nu12082432. PMID: 32823606; PMCID: PMC7468952.
  9. Romeo Villadóniga S, Rodríguez García E, Sagastagoia Epelde O, Álvarez Díaz MD, Domingo Pedrol JC. Effects of Oral Supplementation with Docosahexaenoic Acid (DHA) plus Antioxidants in Pseudoexfoliative Glaucoma: A 6-Month Open-Label Randomized Trial. J Ophthalmol. 2018 Sep 17;2018:8259371. doi: 10.1155/2018/8259371. PMID: 30310698; PMCID: PMC6166377.
  10. Valentine CJ, Khan AQ, Brown AR, Sands SA, Defranco EA, Gajewski BJ, Carlson SE, Reber KM, Rogers LK. Higher-Dose DHA Supplementation Modulates Immune Responses in Pregnancy and Is Associated with Decreased Preterm Birth. Nutrients. 2021 Nov 26;13(12):4248. doi: 10.3390/nu13124248. PMID: 34959801; PMCID: PMC8703393.

Artigo por: Júlia Cestari

Pós-graduada em Nutrição Esportiva e Estética

E-mail: juliagcestari@hotmail.com

Instagram: @juliacestarinutri

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