A glutamina é o aminoácido livre mais abundante no corpo humano, que é utilizado pelo endotélio intestinal. É um aminoácido essencial nos estados catabólicos e também o substrato preferencial de células que se dividem rapidamente, como os enterócitos e células imunes1. Sendo assim, nos últimos anos tem se estudado a importância deste aminoácido na fisiologia intestinal e no manejo de várias doenças intestinais.
Além da promoção da proliferação de enterócitos, a glutamina tem sido associada a supressão de vias de sinalização pró-inflamatórias e proteção contra a apoptose e estresse celular durante condições normais e patológicas2. Dentre todos os benefícios relacionados à suplementação deste aminoácido, o de maior destaque envolve a regulação das proteínas de junções firmes (tight junctions) que interfere diretamente na integridade da barreira intestinal1. Células epiteliais revestem toda a extensão do trato intestinal e separam o conteúdo luminal do meio interno do organismo. Além das tight junctions, outros componentes atuam na manutenção da homeostase desta barreira, como o muco, imunoglobulinas e agentes antimicrobianos que previnem a passagem de substâncias luminais e antígenos através do espaço paracelular. Nesse sentido, disfunções na integridade da barreira intestinal têm sido associadas a diversos processos patológicos3.
A microbiota intestinal, que reside no lúmen intestinal, engloba trilhões de microrganismos (bactérias, fungos, archaea e vírus) que habitam principalmente o cólon4,5. A exata composição deste ecossistema permanece desconhecida, porém há consenso de que na maioria dos indivíduos cerca de 90% das bactérias pertencem aos filos Bacteroidetes e Firmicutes6. Neste contexto, reconhece-se que a disbiose intestinal é caracterizada por redução da diversidade bacteriana e aumento da população de bactérias potencialmente patogênicas7, normalmente acompanhada de diminuição da integridade da barreira intestinal.
Glutamina e associações com doenças cardiometabólicas
Nos últimos anos, evidências têm apontado para o esclarecimento das ações da microbiota no metabolismo do hospedeiro e suas associações com as doenças cardiometabólicas (hipertensão arterial, diabetes tipo 2, dislipidemia e excesso de peso)5,8,9. A inflamação subclínica crônica participa da gênese destas afecções10. Sendo assim, é importante ressaltar que a microbiota intestinal é a maior fonte de lipopolissacarídeo (LPS), isto porque esta endotoxina é o principal componente da membrana externa de bactérias gram-negativas. A circulação sérica de LPS inicia a ativação dos receptores Toll-like (TLR) do sistema imune inato, especialmente o TLR4. Quando ativados, esses receptores induzem reações intracelulares, principalmente via NF-κB e culminam com a produção de mediadores inflamatórios que comprometem a sinalização insulínica, induzindo resistência à insulina11,12.
Evidências apontam que a exposição crônica à gordura saturada estimula a proliferação das bactérias gram-negativas e aumenta a permeabilidade intestinal. Esta permeabilidade aumentada facilita a translocação do LPS para a circulação, promovendo a endotoxemia metabólica13. Ademais, estudos recentes apontam que o consumo crônico de frutose advindo de alimentos processados e ultraprocessados ricos em xarope de milho, também afeta a permeabilidade intestinal e a proliferação de bactérias gram-negativas14.
Os possíveis mecanismos que associam o uso de glutamina com melhora da permeabilidade intestinal e consequente redução da inflamação sistêmica têm sido discutidos tanto em experimentos animais quanto em humanos15,16,17.
Um estudo avaliou os efeitos benéficos da suplementação de glutamina e concluiu que camundongos com dieta rica em gordura apresentaram redução do ganho de peso e melhora da ação da insulina. A fim de testar essa hipótese, indivíduos com excesso de peso também foram analisados e observou-se que a suplementação de 30 gramas diárias por duas semanas não foi capaz de interferir na perda de peso, mas reduziu o LPS sérico e a circunferência da cintura, o que indica uma modulação da microbiota e da barreira intestinal. Os autores sugerem que esta suplementação deve ser realizada por um maior número de dias para que os efeitos a longo prazo sejam avaliados17.
Outro experimento realizado com indivíduos diabéticos, encontrou uma queda significativa da glicose sanguínea após duas horas da ingestão de 30 gramas de glutamina18. Resultados similares foram reportados por Samocha-Bonet et al. (2011) que identificaram uma redução significativa da glicemia pós-prandial em pacientes diabéticos após o uso de uma dose de 30 gramas de glutamina comparados ao grupo placebo. Juntos, esses resultados sugerem que este aminoácido é um composto promissor para o controle glicêmico de curto prazo. Interessantemente, não foram observados benefícios do uso de glutamina no perfil lipídico e nos marcadores de inflamação de indivíduos estratificados em grupo placebo e grupo intervenção (30 gramas do suplemento ao dia por seis semanas)20.
Apesar do avanço nas pesquisas acerca das associações entre os efeitos positivos do uso de glutamina sobre a perda de peso, metabolismo da glicose ou inflamação subclínica crônica, ainda há lacunas no conhecimento acerca das ações em humanos, especialmente quanto à indicação de dose para prevenção e/ou tratamento das doenças cardiometabólicas. Frente ao exposto, conclui-se que a quantidade de glutamina usualmente indicada – cinco gramas ao dia – parece não ser capaz de ter qualquer benefício na integridade da barreira intestinal e nos marcadores cardiometabólicos, isto porque os estudos encontraram resultados positivos com suplementação a partir de 30 gramas ao dia. Vale destacar que esta recomendação diária poderia ser considerada financeiramente inviável para alguns pacientes. Sendo assim, alterações na dieta com foco no aumento de fibras e alimentos prebióticos aliados ao menor consumo de gordura saturada e alimentos ultraprocessados continuam constituindo as estratégias essenciais para a melhora da permeabilidade intestinal.
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Profa. Dra. Ana Carolina Franco de Moraes
Pós-graduanda em Nutrição Integrativa pela Plenitude Educação
@dra.nutri.anamoraes