Sistema imune e o impacto da ingestão de vitaminas e minerais

De uma maneira geral, o sistema imunológico é composto pela imunidade inata (não específica) e imunidade adquirida (específica). A imunidade inata é constituída por todos os elementos com os quais o indivíduo nasce e que estão disponíveis num prazo muito curto para proteger o indivíduo de invasores patogênicos. Já o sistema imune adquirido é mais especializado que a imunidade inata e complementa a imunidade fornecida pelo sistema imune inato. É estimulado pelo contato com o invasor, sendo único para aquele indivíduo.

Fatores nutricionais modulam processos metabólicos que podem estar associados à ativação e inibição de enzimas-chave ou mediadores imunorreguladores que resultam em alterações da função imunológica celular, tendo potencial em afetar tanto a imunidade inata e adquirida. A deficiência de apenas um nutriente pode influenciar em respostas alteradas do sistema imune, isso é observado mesmo quando a deficiência é relativamente leve. Além disso, os nutrientes estão envolvidos na estabilidade das membranas plasmáticas e na diferenciação da expressão das características da sua superfície celular, por exemplo, determinantes antigênicos. Sendo assim, vamos abordar as principais funções de vitaminas e minerais associados às respostas imunológicas.

Alguns micronutrientes estão mais relacionados às funções do sistema imune, como as vitaminas A, C, D, E, B6 e ácido fólico, e os minerais, selênio e zinco. Muitas vezes, a dieta sozinha pode não ser suficiente para contemplar a ingestão de todos os micronutrientes necessários e uma suplementação personalizada com bases específicas relacionadas a idade e estilo de vida pode ser necessária. Nesse texto, vamos abordar aspectos relacionados à função dos micronutrientes mais importantes para o sistema imune, bem como aspectos relacionados a sua deficiência.

 

Figura 2 - Comprimidos e vitaminas espalhados em uma mesa.

Vitamina A

No sistema imune inato a vitamina A auxilia na manutenção da integridade estrutural e funcional das células da mucosa em barreiras inatas (por exemplo, pele, trato respiratório, dentre outras). Em adição, ela é importante para o funcionamento adequado das células imunes inatas (por exemplo, natural killer (NK), macrófagos e neutrófilos).

Por outro lado, no sistema imune adquirido, a vitamina é necessária ao bom funcionamento dos linfócitos T e B e, portanto, para a geração de respostas de anticorpos ao antígeno. Além disso, ela está envolvida na diferenciação de subtipos de linfócito T, como os Th1 (T helper 1) e Th2 (T helper 2) e apoia a resposta anti-inflamatória de Th2. Os linfócitos Th1 estão envolvidos na imunidade mediada por células T citotóxicas, ou seja, envolvidos na defesa contra agentes patogênicos intracelulares (ex: vírus). Já os linfócitos Th2 são associados à promoção da produção de anticorpos por linfócitos B particularmente envolvidos na resposta contra agentes patogênicos extracelulares (ex: parasitas).

A deficiência da vitamina A impacta no número de células NK, nas funções dos neutrófilos, na habilidade dos macrófagos em fagocitar patógenos, no crescimento e diferenciação de células B e no número e distribuição de células T. Além de aumentar o risco de infecções.

 

Vitamina C

No sistema imune inato, como bem documentado na literatura científica, a vitamina C protege contra danos ocasionados por espécies reativas de oxigênio (EROS) e nitrogênio (ERN) produzidas quando agentes patogênicos são eliminados por células do sistema imune. Ela também regenera importantes antioxidantes como a glutationa e a vitamina E, além de promover a síntese de colágeno, apoiando a integridade das barreiras intestinais. Adicionalmente, a vitamina estimula a produção, função e movimento dos leucócitos; aumenta os níveis séricos de proteínas do sistema complemento, este contribui na remoção de complexos imunes e na ativação de processos inflamatórios; tem funções antimicrobianas, na atividade de células NK e na quimiotaxia; e está envolvida no apoptose e na eliminação de neutrófilos utilizados em locais de infecção. Na imunidade adquirida, ela tem função no aumento sérico dos níveis de anticorpos e na diferenciação e proliferação de linfócitos.

A deficiência de vitamina C está associada ao aumento da incidência de pneumonia e outras infecções, diminuição da resistência à infecções, aumento das respostas de hipersensibilidade.

 

Vitamina D

Os receptores de vitamina D são expressos em células do sistema imune inato (monócitos, macrófagos e células dendríticas), sendo assim, a vitamina D participa na diferenciação de monócitos a macrófagos, estimula a proliferação de células do sistema imune e a produção de citocinas. A forma ativa de vitamina D (1,25dihidroxivitamina D3) regula proteínas antimicrobianas como as defensinas e catelicinidas, que podem eliminar diretamente patógenos, especialmente bactérias.

Na imunidade adaptativa sua principal função é inibitória, por exemplo, a 1,25dihidroxivitamina D3 suprime a produção de anticorpos por células B e inibe a proliferação de células T. A deficiência da vitamina D leva a maior suscetibilidade a infecções principalmente do trato respiratório, aumento da morbidade e mortalidade, aumento da gravidade das infecções, número reduzido de linfócitos, peso reduzido de órgãos linfoides, aumento do risco de doenças autoimunes (diabetes tipo I, esclerose múltipla, lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide).

Vitamina E

A vitamina E melhora a produção de interleucina-2 (IL-2) e a atividade de células NK citotóxicas no sistema imune inato. A IL-2 é fator de crescimento, sobrevivência e diferenciação para linfócitos B, sua ausência desregula o desenvolvimento da resposta imunológica, pois ela tem a função de fazer a diferenciação desses linfócitos em CD4 e CD8. Já no sistema adaptativo, melhora as funções mediadas por células T e proliferação de linfócitos, além de otimizar a resposta de Th1 e suprimir a resposta de Th2. Além dessas funções, a vitamina é um antioxidante lipofílico, protegendo a integridade das membranas celulares de danos causados por EROS. A deficiência de vitamina E prejudica aspectos humorais e mediados por células do sistema imune adaptativo, incluindo funções dos linfócitos B e T.

 

Figura 3 - Mão segurando comprimidos

Vitamina B6

A vitaminas B6 existe em diversas formas, sendo que a forma ativa é a fosfato de piridoxal. No sistema imune inato ela está associada ao controle da inflamação, com função na produção de citocinas inflamatórias e, também, controla a atividade das células NK. Já na imunidade adquirida, participa na síntese de anticorpos, tem papel na proliferação, diferenciação e maturação de linfócitos, e apresenta função na manutenção das respostas de Th1.

A deficiência de vitamina B6 pode levar à diminuição dos tecidos linfoides, redução das respostas a antígenos patogênicos, deficiência na imunidade mediada por células e respostas reduzidas de anticorpos. Nas condições de inflamação crônica foi observado associação inversa entre a concentração de vitamina B6 e níveis de TNF-α. Estudos in vivo demonstraram que níveis baixos de vitamina B6 levam à deficiência nas funções das células epiteliais do timo e diminui a abundância de células T, acarretando a produção excessiva de Th2 e inflamação.

 

Ácido fólico

O ácido fólico ou folato no sistema imune inato participa na manutenção da atividade das células NK. Ele também é essencial para a síntese de ácido nucleico, de proteínas e importante para a divisão celular, fatores indispensáveis para o funcionamento do sistema imune. Já no sistema imune adaptativo, ele é importante para a resposta suficiente de anticorpos aos antígenos e apoia a resposta imunológica mediada por Th1.

Além disso, o receptor de folato 4 (FR4) é um marcador de células Treg (linfócitos T reguladores) e é imunologicamente funcional. As células Treg estão relacionadas com a manutenção da homeostase do sistema imunitário. Elas são comprometidas com a inibição da ativação e expansão de linfócitos auto-reativos nos tecidos periféricos e apresentam capacidade inibitória com comprovado papel na regulação negativa da resposta imune também diante de antígenos exógenos e auto-antígenos.

A deficiência grave do ácido fólico está associada com o declínio da atividade das células NK e, por consequência, pode afetar a destruição de células infectadas por vírus e células tumorais. Além disso, pode também diminuir a proliferação de linfócitos T. Baixos níveis de folato estão associados à diminuição das células Treg no intestino delgado, local importante para a absorção de folato na dieta. Este fato estabelece uma ligação entre os alimentos e o sistema imune, que pode ter implicação na manutenção do equilíbrio imunológico no trato gastrointestinal.

Estudos in vitro, in vivo e em humanos sugerem que a suplementação de folato está correlacionada com taxas mais baixas de infecção, efeitos positivos nas respostas blastogênicas, na proliferação de linfócitos T, aumento de fagocitose e produção regulada positivamente de imunoglobulinas.

 

Selênio

Na imunidade inata, o selênio é essencial para a função das enzimas dependentes de selênio (selenoproteínas) que podem agir como reguladores redox e antioxidantes celulares, potencialmente podem conter EROS. As selenoproteínas são importantes para o sistema de defesa do hospedeiro e podem afetar as funções de leucócitos e células NK. Por outro lado, a função do selênio no sistema imune adaptativo é na proliferação de linfócitos T, no sistema humoral, por exemplo, na produção de imunoglobulinas. A deficiência do mineral prejudica a imunidade humoral e mediada por células, aumenta a virulência viral, suprime a função imunológica e em crianças, eleva o risco de infecções respiratórias nas primeiras semanas de vida.

 

Zinco

No sistema imunológico inato adaptativo o zinco desempenha papel fundamental, pelo fato das células do sistema imune apresentarem altas taxas de proliferação, e este mineral estar envolvido na tradução, transporte e replicação do DNA. A influência direta do zinco no sistema imune acontece devido a este elemento estimular a atividade de enzimas envolvidas no processo de mitose, como a DNA e a RNA polimerase, timidina quinase, desoxinucleotidil-transferase terminal e ornitina descarboxilase.

O zinco pode, ainda, afetar o processo de fagocitose dos macrófagos e neutrófilos; interferir na lise celular mediada por células NK e na ação citolítica das células T; modular a liberação de citocinas e estimular a proliferação de linfócitos T CD8+. Ele também é essencial para a ligação intracelular da tirosina quinase às células T receptoras, necessárias para o desenvolvimento de linfócitos T e sua ativação e, ainda, dá suporte a resposta de Th1.

A deficiência de zinco está relacionada com a atrofia do timo, assim como de outros órgãos linfoides e a linfocitopenia em animais e humanos. A deficiência também altera a produção de citocinas que contribuem para o estresse oxidativo e inflamação. Evidências experimentais demonstram diminuição na razão CD4:CD8, durante a deficiência de zinco, além da diminuição de precursores de linfócitos-T citotóxicos. A modificação nas proporções de linfócitos pode contribuir para o desequilíbrio do sistema imunológico, afetando sua resposta e sua regulação.

Em resumo, a imunidade representa a melhor abordagem para proteger o hospedeiro de vários ataques microbianos ou outras infecções. Vitaminas e minerais são micronutrientes importantes e com efeito sinérgico em vários estágios e compartimentos do sistema imunológico; no entanto, apenas pequenas quantidades são necessárias para performar as funções necessárias no sistema imune. Além disso, vitaminas e minerais podem, ao mesmo tempo, suprimir e promover resposta imunológica, ou seja, eles modulam o processo. A deficiência de ambos pode levar à geração inadequada de importantes componentes imunológicos, incluindo componentes celulares e moleculares, resultando em resposta imunes ineficazes a fatores patogênicos.

 

Referências:

https://doi.org/10.3390/nu10101531

https://doi.org/10.3390/molecules27020555

https://doi.org/10.1177/1084822317713300

https://doi.org/10.3390/jcm7090258

https://doi.org/10.1002/iub.1976

https://doi.org/10.3390/nu12010236

https://doi.org/10.3390/nu14030644

 

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