Dados epidemiológicos mostram uma relação positiva entre a ingestão de alimentos ricos em compostos bioativos e antioxidantes e bem-estar, sendo que estes têm potencial em diminuir o risco do desenvolvimento de várias desordens metabólicas, que podem levar ao surgimento de doenças como o diabetes mellitus tipo II, obesidade, doenças cardiovasculares (DCV) e doenças relacionadas à idade. Nesse sentido, abordaremos as funções dos compostos bioativos e nutrientes relevantes para a manutenção da saúde.
ANTOCIANINAS e seu efeito prebiótico
As antocianinas, como bem descritas na literatura, são pigmentos abundantes em uma ampla variedade de frutas vermelhas, roxas e azuis. As antocianinas têm baixa absorção no intestino delgado, por exemplo, as antocianinas glicosiladas com dissacarídeos são resistentes à digestão, o mesmo ocorre com as formas aciladas.
As antocianinas não absorvidas sofrem biotransformação através de degradação bacteriana, aumentando potencialmente sua biodisponibilidade e permitindo a absorção através da parede epitelial do colón. Dessa forma, o intestino grosso é crucial para a degradação microbiana e bioconversão de antocianinas. Estes processos podem resultar em remodelação da microbiota intestinal e modulação dos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), promovendo a proliferação de bactérias benéficas e suprimindo o crescimento de patógenas, essas modificações foram observadas em diferentes modelos.
Nesse sentido, a antocianina cianidina-3-O-glicosídeo em experimento in vitro (em condições de fermentação) foi capaz de reduzir o pH após 48 h de incubação, essa alteração do pH foi atribuída ao aumento da produção de AGCC e ácidos fenólicos, com aumento da população de Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp. O aumento dessas bactérias é benéfico à manutenção da saúde intestinal, além de competir com outros microrganismos patogênicos por substratos e sítios de aderência, bem como pela diminuição do pH, conferindo efeito antimicrobiano. Ademais, é conhecido que a fermentação de antocianinas leva à produção de AGCC, predominantemente de ácido láctico, acetato, propionato e ácidos butírico, esses fazem parte da fisiologia intestinal, principalmente na proteção da barreira intestinal.
Corroborando com esses dados, estudo pré-clínico observou que camundongos tratados com antocianinas de cereja demonstraram aumento na proliferação de Akkermansia no colón, além de Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp. Foi proposto que a Akkermansia estimula a produção de muco a fim de melhorar as funções de barreira intestinal, reduzindo assim o risco de inflamação e distúrbios imunomediados. Da mesma forma, estudo clínico apontou que o consumo de bebida contendo 25 g mirtilo selvagem, rico em antocianinas, durante 6 semanas, promoveu maior abundância de Bifidobacterium ssp. e Lactobacillus acidophilus em homens saudáveis.
PROANTOCIANIDINAS e seu potencial como cardioprotetor
As proantocianidinas (PC) são compostos polifenóis de alto peso molecular, oligômeros e polímeros de monômeros, resultante da polimerização de polihidroxi flavan-3-ol, e são classificadas em tipo A ou tipo B. Estudo pré-clínico observou que a ingestão de PC por animais que consumiram dieta de cafeteria (dieta com alta palatabilidade, rica em açúcar e gordura, utilizada para induzir obesidade e síndrome metabólica em modelos animais) em parâmetros de risco para doenças DCV. A ingestão de PC foi capaz de melhorar a hipertrigliceridemia e pressão arterial, além de diminuir a peroxidação lipídica no fígado dos animais. No mesmo sentido, a suplementação com PC diminuiu triglicerídeos e apolipoproteína B, LDL-colesterol e ácidos graxos livres, além de reduzir indicadores de risco ateroscleróticos em ratos saudáveis. Estudo aponta que o mecanismo de ação seria pelo aumento da excreção de colesterol através de ácidos biliares.
Em estudo clínico, a ingestão de extrato de sementes de uva (ricos em PC) durante seis semanas por indivíduos com hipertensão leve reduziu a pressão sistólica e diastólica em aproximadamente 5,6% e 4,7%, respectivamente, comparado ao grupo controle. Em adição, revisão sistemática com metanálise de ensaios randomizados com 6 estudos, totalizando 376 indivíduos, avaliou a ingestão de proantocianidinas na pressão arterial. Como resultado, a PC pode ser eficaz em diminuir a pressão arterial tanto em indivíduos hipertensos, bem como proteger da hipertensão, fator de risco para DCV. O tempo médio de tratamento dos estudos foi de 10 semanas.
CURCUMINA e seu efeito na inflamação
A curcumina, como bem descrita na literatura científica, faz parte de um grupo de compostos bioativos denominados curcuminóides e tem sido extensivamente estudada por suas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, principalmente pela inibição do fator nuclear kappa beta (NF-kB), um dos principais produtores de citocinas pró-inflamatórias no organismo. Ela está presente na Cúrcuma longa (Cúrcuma longa L.), sendo um dos principais ativos com efeito biológico. A curcumina tem sido considerada para a prevenção/tratamento de condições inflamatórias como doenças inflamatórias intestinais, osteoartrite e psoríase. Por exemplo, estudos mostram que pacientes com colite ulcerativa ativa de leve a moderada, tratados com curcumina juntamente com ácido 5-aminossalicílico apresentaram melhores taxas de remissão, bem como ela também colaborou para a manutenção da quiescência da doença.
Já na osteoartrite (OA), uma doença de base inflamatória, ocorre a degradação da cartilagem pelo aumento da concentração das enzimas associadas à degradação da cartilagem (metaloproteinases e desintegrinas) bem como ao aumento das interleucinas pró-inflamatórias tais como IL-1β, IL-6, IL-18, IL-17 e fator de necrose tumoral – α (TNF-α). Esse processo degenerativo está relacionado a dor intensa e mobilidade reduzida. A ingestão oral de extrato de rizoma de cúrcuma ou de curcumina mostrou diminuição da dor, melhora da rigidez e função física, protocolos validados foram utilizados para avaliar as escalas de parâmetros em relação a OA tais como: Knee injury and Osteoarthritis Outcome Score, Lequesne’s pain functional index, Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index e Patient Global Assessment of Disease Activity, Os estudos mostraram melhora das pontuações em relação a OA com doses que variaram de 500 a 1500 mg/dia de curcumina.
Ação do RESVERATROL em mecanismos do envelhecimento e doenças associadas
É conhecido que o envelhecimento é um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas. Nesse sentido, o resveratrol, um composto fenólico, tem demonstrado por estudos a sua ação na melhora de parâmetros de saúde no envelhecimento, suprimindo o estresse oxidativo, diminuindo a resposta inflamatória, melhorando a função mitocondrial e modulando a apoptose celular, podendo ser considerado uma molécula anti-idade. Essas características do resveratrol têm proposto por estudos pré-clínicos a sua possível atuação na longevidade. Pesquisa observou que células tratadas com resveratrol foram induzidas à autofagia (in vitro), resultados semelhantes foram encontrados em Caenorhabditis elegans (in vivo), além de apresentarem maior longevidade. Foi proposto que o mecanismo de ação seria através da ativação de sirtuína1 (sirt1), induzindo a autofagia e promovendo a longevidade.
No mesmo sentido, o resveratrol ocasionou consistentemente o aumento do tempo de vida (13 semanas) em estudos pré-clínicos com animais. Sua ação foi ligada a um evento denominado restrição calórica ou privação alimentar parcial. A restrição calórica diminui processos ligados à inflamação, aterosclerose, senescência celular e resistência à insulina. Dessa forma, o resveratrol foi capaz de mimetizar a restrição calórica e seus efeitos benéficos.
O envelhecimento é fator de risco para doenças neurodegenerativas, o avanço da idade é acompanhado por neuroinflamação, desregulação da autofagia, apoptose neural, levando a perda progressiva da memória e comprometimento motor. Nesse sentido, estudos sugerem que o resveratrol é capaz de induzir diferenciação neural de células precursoras do hipocampo (in vitro), além de aumentar a síntese de novos neurônios, melhorar a memória e promover neurogênese no hipocampo (in vivo), em resumo, levando a maior neuroplasticidade. Corroborando com esses dados, animais idosos tratados com resveratrol apresentaram melhora das funções cognitivas através do aumento da secreção de neurotransmissores, incluindo serotonina, noradrenalina e dopamina.
LICOPENO pode ser aliado na prevenção de doenças crônicas
O licopeno, pertencente aos carotenoides, tem poder antioxidante elevado, agindo na diminuição da oxidação de proteínas, lipídios, DNA, radicais hidroxila e superóxido. Entre todos os carotenoides, ele tem a maior capacidade de retirada de radicais livre no organismo, devido a existência de ligações duplas em sua estrutura química provendo elétrons a serem doados para os radicais livres. Além de aumentar a expressão de enzimas de destoxificação de fase II através da ativação do fator nuclear derivado de eritróide 2 (Nrf2), diminuindo a toxicidade de substâncias, protegendo as células de espécies reativas de oxigênio (EROs) e moléculas eletrofílicas.
Estudos pré-clínicos e epidemiológicos sugerem que o licopeno pode ser utilizado no manejo da obesidade. O licopeno diminuiu o colesterol total, LDL-colesterol, triglicerídeos no plasma, além de aumentar a mobilização do tecido adiposo e melhorar a resistência à insulina em vários modelos animais de obesidade como em camundongos, ratos e coelhos. Além disso, suprimiu o ganho de peso sem reduzir a ingestão de alimento. Em estudo transversal, o consumo de licopeno foi associado a menor gordura visceral e subcutânea, bem como a circunferência da cintura em homens (idades entre 40-80 anos). Em adição, estudo clínico randomizado observou que o consumo de suco enriquecido com licopeno melhorou a glicose sanguínea e metabolismo de lipídios através da atenuação do estresse oxidativo e inflamação.
VITAMINAS e MINERAIS no controle do estresse oxidativo e inflamação
O zinco faz parte da estrutura da enzima superóxido dismutase, que catalisa a reação de superóxido, forma de oxigênio prejudicial ao organismo, em oxigênio e peróxido de hidrogênio que é menos reagente, dessa forma, está associado na restrição a produção endógena de radicais livres. Já o selênio, pode ser efetivo em suprimir vias pró-inflamatórias, bloqueando a ativação do fator de transcrição NF-kB, regulador sensível a oxidantes que modula a produção de mediadores inflamatórios.
A vitamina A exibe função antioxidante e na regulação da expressão de genes relacionados ao metabolismo de estrogênio, progesterona, cortisol, aldosterona, testosterona, vitamina D, colesterol e ácidos graxos. Já a vitamina E, além de ser um antioxidante lipofílico, pode ter ação anti-inflamatória através da inibição de NF-kB. Por último, a vitamina C pode ter efeitos potenciais na regulação da inflamação, reduzindo níveis de proteína C reativa e IL-6 em pacientes obesos, por exemplo.
Artigos
https://doi.org/10.1016/j.bcp.2017.04.033
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0195754
https://doi.org/10.7717/peerj.4195
https://doi.org/10.1021/jf2028686
https://doi.org/10.1096/fj.04-3095fje
https://doi.org/10.1017/S0007114515004328
https://doi.org/10.1016/j.phrs.2020.105329
https://doi.org/10.1080/10408398.2020.1850417
https://doi.org/10.1038/cddis.2009.8
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0145687
https://doi.org/10.1155/2021/9932218
https://doi.org/10.1007/s11357-015-9777-x
https://doi.org/10.4161/cc.7.8.5740
https://doi.org/10.3945/jn.108.101451
https://doi.org/10.3390/jcm9010141
https://doi.org/10.1016/j.pharmthera.2021.107942
https://doi.org/10.3390/nu12051501