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Ritmo Circadiano na Longevidade

A população mundial está envelhecendo rapidamente. Entre 2010 e 2050, a proporção de idosos, com idade igual ou superior a 65 anos, passará de 524 milhões para quase 1,5 bilhão. O envelhecimento é um processo biológico que afeta a atividade de muitos sistemas fisiológicos e comportamentais, incluindo os ritmos circadianos 2,3.

Os ritmos circadianos são processos de sincronização endógena que apresentam oscilações arrastáveis de aproximadamente 24 horas. Esse sistema governa o padrão rítmico de várias funções do nosso organismo, permitindo que elas antecipem mudanças periódicas do meio ambiente. O núcleo supraquiasmático (SCN) localizado no hipotálamo, opera como marca-passo mestre do nosso ritmo circadiano; no qual a luz é absorvida pela retina e os sinais são transmitidos aos neurônios via trato retino hipotalâmico. Os relógios fora do SCN, os chamados relógios periféricos, estão localizados nos órgãos e tecidos, e são sincronizados com o relógio central por meio de sinais neurais e humorais, a fim de garantir a coordenação fisiológica 4,5.

Os relógios circadianos, central e periféricos, compartilham de um mesmo mecanismo de loops de transcrição-tradução dos genes do relógio. O loop principal consiste em ativadores transcricionais circadianos CLOCK e BMAL1, que se heterodimeriza e induzem a expressão dos repressores PER (PER1, PER2 e PER3) e CRY (CRY1 e CRY2). Um segundo loop dá uma maior robustez ao ritmo e é representado pelos receptores órfãos ROR (RORα, RORꞵ) e pelos repressores REVERB (REVERBα, REVERBꞵ)4. A expressão alterada de qualquer desses genes, pode alterar os ritmos circadianos.

Os ritmos circadianos se consolidam ainda durante a primeira infância. Apesar de bebês recém-nascidos serem quase arrítmicos, curiosamente, os ritmos de sono-vigília e dos batimentos cardíacos já são detectáveis nas últimas semanas da gestação 5.

O mecanismo biológico que regula o ritmo circadiano é dinâmico ao longo da vida, e as atividades rítmicas, como os padrões de sono-vigília, mudam acentuadamente à medida que envelhecemos. O sono se torna cada vez mais fragmentado, com menor duração e de pior qualidade 6.

Durante a infância, os ritmos de sono-vigília têm início mais cedo, ocorrendo uma mudança marcante para um cronotipo mais tardio na adolescência. Em idosos, esses ritmos retornam a ser substancialmente mais precoces, porém, com uma duração de sono mais curta.

As oscilações circadianas são vulneráveis ao envelhecimento. Além das várias mudanças nos padrões de sono, também ocorrem alterações na amplitude e temporização dos ritmos diários na produção de melatonina, cortisol e temperatura corporal, afetando a homeostase e funções dos tecidos 6. Essa diminuição da amplitude e no avanço da acrofase circadiana, característico da senescência, também é observada após lesão bilateral dos SCN, ou seja, lesão do local onde está inserido o relógio central 7.

Os ritmos de temperatura atingem o pico durante a infância e as amplitudes reduzem progressivamente durante o envelhecimento. Os ritmos da melatonina são atrasados durante a adolescência, com as concentrações atingindo o pico durante a infância e diminuindo consideravelmente durante o envelhecimento. Os ritmos do cortisol, por sua vez, atingem o pico no início da manhã durante a infância e, com a idade, aumentam e reduzem a amplitude geral.

Essas mudanças afetam diretamente a qualidade e a expectativa de vida. Quando comparados com adultos jovens, adultos mais velhos têm mais despertares noturnos, latências mais longas para adormecer e passam menos tempo no estágio 3 e 4 e no sono de movimento rápido dos olhos (REM); apresentando desta forma um sono menos reparador 8.

O envelhecimento está associado ao enfraquecimento do ritmo circadiano 7. Ao longo da vida, os relógios biológicos reduzem a capacidade de se ajustarem ao ambiente. No SCN, os genes CLOCK, BMAL1 e PER2 que compõem a maquinaria molecular do relógio circadiano, apresentam diminuição na amplitude do ritmo e/ou redução nas suas expressões com o avançar da idade5.

A longevidade é diminuída por perturbações circadianas e desacelerada pela restauração do comportamento circadiano da juventude, por meio do transplante de um relógio fetal no SCN de animais idosos. O que demonstra a relevância da organização temporal fisiológica e comportamental, proporcionada pelo relógio circadiano, para a saúde e longevidade 8.

Os relógios periféricos são acionados não apenas pelo estímulo do relógio central, mas também por outros fatores, como uma refeição, exercício e exposição à luz, de uma maneira independente do relógio central. Além dos fatores genéticos, essas pistas ambientais também influenciam no período, fase e amplitude dos ritmos circadianos 10. A interrupção do relógio ao longo dos anos, está associada à diminuição da expectativa de vida 11.

A alimentação é um forte sincronizador desses relógios. O conteúdo calórico da refeição, os horários de alimentação e os períodos de jejum influenciam o nosso ritmo circadiano 12. A alimentação atrasada, devido à vigília noturna prolongada, leva a dissincronia entre os relógios circadianos central e periféricos. Além disso, os componentes das vias de detecção de nutrientes associadas ao envelhecimento exibem oscilações específicas do tecido devido a um crosstalk direto com os genes do relógio central.

A SIRT1 é uma proteína desacetilase dependente de NAD + que ativa a transcrição de BMAL1 e CLOCK no SCN e outros osciladores periféricos. No entanto, em camundongos idosos, os níveis de SIRT1 são reduzidos, resultando em anormalidades circadianas e menor atividade, em comparação com animais mais jovens, demonstrando que a longevidade é afetada pela fisiologia nutricional. Curiosamente, algumas das alterações circadianas associadas a um SCN senescente são revertidas por uma super expressão de SIRT 113.

A prática regular de exercícios físicos ao longo da vida, desacelera o processo de envelhecimento e auxilia paralelamente na manutenção de um sistema circadiano mais forte. A deleção de BMAL1 em todo corpo ou apenas no músculo esquelético, induz ao envelhecimento precoce com o desenvolvimento de sarcopenia e redução do metabolismo, demonstrando a importância dos relógios biológicos na manutenção da massa muscular 14.

A interação entre o envelhecimento e o ritmo circadiano é complexa e parece ser bidirecional.  Não apenas a expressão dos genes dos relógios pode mudar com a idade, mas também alterações nesses genes podem impulsionar o envelhecimento. A análise de camundongos knockout BMAL1 sugere que o envelhecimento é acelerado devido à perturbação do relógio circadiano. Além da redução na expectativa de vida, esses animais apresentaram vários sintomas de envelhecimento precoce, como sarcopenia, catarata e declínio nas funções de tecidos. Descobertas semelhantes foram observadas em camundongos knockout para Re-erbα15.

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Considerações finais

Diante da importância do ritmo circadiano à nossa saúde, conhecimentos mais profundos, sobre como nossos relógios biológicos se alteram com o envelhecimento, podem criar oportunidades para melhorar a saúde da população mundial que está envelhecendo acentuadamente. Embora adicionar “anos à vida” seja relevante, o mesmo deve ser feito em paralelo à adição de “vida aos anos”, uma vez que envelhecer bem, tanto fisicamente como mentalmente, é essencial para uma melhor longevidade.

Referências bibliográficas

  1. NATIONAL INSTITUTE ON AGING. Global Health and Aging. World Health Organization. Departaments of Health and Human Services, p. 1–32, 2011.
  2. HOFMAN, M. A.; SWAAB, D. F. Living by the clock: The circadian pacemaker in older people. Ageing Research Reviews, v. 5, n. 1, p. 33–51, 2006.
  3. KONDRATOV, R. V. A role of the circadian system and circadian proteins in aging. Ageing Research Reviews, v. 6, n. 1, p. 12–27, 2007.
  4. BOLLINGER, T.; SCHIBLER, U. Circadian rhythms – From genes to physiology and disease. Swiss Medical Weekly, v. 144, n. July, p. 1–11, 2014.
  5. NAKAMURA, T. J. et al. Age-related changes in the circadian system unmasked by constant conditions. eNeuro, v. 2, n. 4, p. 1–10, 2015.
  6. HOOD, S. et al. The aging clock : circadian rhythms and later life Find the latest version : The aging clock : circadian rhythms and later life. The Journal of Clinical Investigation, v. 127, n. 2, p. 437–446, 2017.
  7. CORNELISSEN, G.; OTSUKA, K. Chronobiology of Aging: A Mini-Review. Gerontology, v. 63, n. 2, p. 118–128, 2017.
  8. HOOD, S. et al. The aging clock : circadian rhythms and later life Find the latest version : The aging clock : circadian rhythms and later life. The Journal of Clinical Investigation, v. 127, n. 2, p. 437–446, 2017.
  9. HURD, M. W.; RALPH, M. R. The Significance of Circadian Organization for Longevity in the Golden Hamster. Journal of Biological Rhythms, v. 13, n. 5, p. 430–436, 1998.
  10. FERRAZ-BANNITZ, R. et al. Circadian misalignment induced by chronic night shift work promotes endoplasmic reticulum stress activation impacting directly on human metabolism. Biology, v. 10, n. 3, p. 1–13, 2021.
  11. DAVIDSON, A. J. et al. Chronic jet-lag increases mortality in aged mice. Current Biology, v. 16, n. 21, p. 7–10, 2006.
  12. LONGO, V. D. et al. Fasting Circadian Rhythms Time resticted eating. Cell Metabolism, v. 23, n. 6, p. 1048–1059, 2017.
  13. RAMSEY, K. M. et al. Circadian Clock Feedback Cycle Through NAMPT-Mediated NAD+ Biosynthesis. Science, v. 324, n. 5927, p. 651–654, 2010.
  14. CHATTERJEE, S.; MA, K. Circadian clock regulation of skeletal muscle growth and repair. F1000Research, v. 5, p. 1–12, 2016.
  15. MAYEUF-LOUCHART, A. et al. Rev-erb-α regulates atrophy-related genes to control skeletal muscle mass. Scientific Reports, v. 7, n. 1, p. 1–11, 2017.

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