PROTEÍNA DO SORO DO LEITE: UMA VISÃO GERAL E SEUS BENEFÍCIOS NA SAÚDE

O que é a proteína do soro do leite?

A proteína do leite bovino contém cerca de 80% de caseína e 20% de proteínas do soro, percentual que pode variar em função da raça do gado, da ração fornecida e do país de origem. As proteínas do soro do leite apresentam uma estrutura globular contendo algumas pontes de dissulfeto, que conferem um certo grau de estabilidade estrutural.  Neste contexto, as proteínas são os constituintes mais importante do soro de leite entre elas β-lactoglobulina (β-LG), α-lactoalbumina (ALA), imunoglobulinas (Ig’s), albumina do soro bovino (BSA) e lactoferrina, entre outras.

A β-LG é o maior peptídeo do soro em relação a sua concentração (45,0% a 57,0%). Ela é resistente à ação de ácidos e enzimas proteolíticas presentes no estômago, sendo, portanto, absorvida no intestino delgado. É o peptídeo que apresenta maior teor de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA), com cerca de 25,1%. Já a ALA é o segundo peptídeo em concentração do soro do leite bovino (15% a 25%), demonstrou atividade antimicrobiana contra bactérias patogênicas, como por exemplo, Escherichia coli, Staphylococcus aureus e  Klebsiella pneumoniae.

As Ig’s são proteínas de alto peso molecular (150 -1 000kDa). Quatro das cinco classes das Ig’s estão presentes no leite bovino (IgG, IgA, IgM e IgE), sendo a IgG a principal, representando cerca de 80% do total. No leite humano, a IgA constitui a principal imunoglobulina (>90%). Suas principais ações biológicas residem na imunidade passiva e atividade antioxidante.

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 A BSA corresponde a cerca de 10% das proteínas do soro do leite. É um peptídeo de alto peso molecular (66kD), rico em cistina (aproximadamente 6%), e relevante precursor da síntese de glutationa.

As sub-frações ou peptídeos secundários das proteínas do soro são assim denominadas por se apresentarem em pequenas concentrações no leite. Compreendem as sub-frações: lactoferrina, beta-microglobulinas, gamaglobulinas, lactoperoxidase, lisozima, fatores de crescimento IGF-1 e IGF-2 e aminoácidos livres.

No aspecto nutricional, o soro de leite apresenta alto teor de aminoácidos essenciais, componen­tes estes que necessitam ser obtidos exclusiva­mente através da alimentação, por não serem sintetizados pelo organismo humano. Seu valor nutricional excede ao de outras proteínas alimentícias, tais como ovos, quei­jos, carnes, peixes e soja. Além de sua vasta com­posição de aminoácidos de cadeia ramificada, atuando na geração de energia e na síntese muscular proteica.  Nesse sentido, é conhecido que a leucina regula a síntese proteica no músculo esquelético e a concentração desse aminoácido é superior no whey protein em torno de 50-70% quando comparado a outras fontes proteicas.

As proteínas do soro de leite são altamente digeríveis e rapidamente absorvidas pelo organismo, estimulando a síntese de proteínas sanguíneas e teciduais a tal ponto que alguns pesquisadores classificaram essas proteínas como proteínas de metabolização rápida fast metabolizing proteins, muito adequadas para situações de estresses metabólicos em que a reposição de proteínas no organismo se torna essencial.

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Como o Whey Protein é obtido?

As proteínas do soro do leite ou whey protein são, geralmente, encontradas na forma de pó em suplementos alimentares. A obtenção do whey protein pode ser realizada por diversas técnicas, a diferença entre elas é a quantidade de proteína, gordura e carboidratos finais nas fórmulas. As técnicas mais conhecidas são:

  1. Micro-filtração e ultrafiltração

Na micro-filtração não são usados reagentes químicos, são utilizadas placas de cerâmica para filtrar o leite e, portanto, a maioria das frações biológicas fica intacta. A ultra-filtração é similar à micro-filtração, porém usa poros ainda menores e com maior pressão. Estas membranas filtram os componentes indesejados do soro do leite como a lactose e a gordura. As partículas são separadas de acordo com sua forma e tamanho. As vantagens deste processo são: mínimo de proteína desnaturada; frações biológicas preservadas e um melhor perfil de aminoácidos. Esse processo gera um concentrado proteico que possui em sua composição cerca de 35 a 80% de proteína, além de carboidratos, lactose, gorduras e minerais.

Após a etapa de filtração, o concentrado proteico passa pela etapa de secagem para a obtenção do whey protein concentrado. O sistema mais utilizado nas principais áreas de processamento de soro de leite tem sido o spray dryer. A secagem do soro de leite é semelhante ao processo para obtenção de leite em pó.

      2. Troca iônica

Essa técnica separa a proteína baseando-se na sua carga elétrica. Duas substâncias químicas podem ser usadas: ácido clorídrico e hidróxido de sódio. Porém, devido a utilização de produtos químicos, algumas frações da proteína que são sensíveis a mudança de pH e alguns aminoácidos são danificados, dentre eles as imunoglobulinas e α-lactalbumina. Um dos benefícios da troca iônica é que este processo resulta num produto com maior quantidade de proteína e geralmente menos gordura e lactose.

Os processos de filtração podem ser combinados com a diafiltração para remover significativamente quantidades de lactose, com o intuito de concentrar ainda mais a proteína do soro do leite, o que significativamente reduz a quantidade de água da solução. Dessa forma, são obtidos compostos isolados com ao menos 90% de proteína, baixo conteúdo de gordura e lactose, culminando na obtenção de proteínas isoladas, conhecidas como o whey protein isolado, com baixo conteúdo de lactose, carboidrato e gordura.

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Além disso, os compostos proteicos, isolados ou concentrados, podem sofrer o processo de hidrólise para a obtenção de proteína hidrolisada. Os hidrolisados proteicos são oriundos a partir da quebra das proteínas e resultam em uma mistura complexa de peptídeos de diferentes comprimentos de cadeia e massa molecular. Os peptídeos bioativos são produzidos, principalmente, através de processos como a hidrólise. Muitos métodos são utilizados para se obter o hidrolisado proteico, podendo ser de forma enzimática, alcalina ou química.

Em relação aos peptídeos bioativos, evidências sustentam a teoria de que as proteínas do leite, incluindo as proteínas do soro, além de seu alto valor biológico, possuem peptídeos bioativos que atuam como agentes antimicrobianos, anti-hipertensivos, reguladores da função imune, assim como fatores de crescimento. Esses também podem ser gerados durante a digestão do whey protein no trato gastrointestinal humano.

Propriedades Funcionais:
Atividade antimicrobiana

Os compostos presentes no soro de leite e derivados, tais como α-lactalbumina, β-lactoglobulina, imunoglobulinas, albumina e lactoferrina apresentam atividade antimicrobiana ou são precursores para os peptídeos bioativos com essa atividade. A principal forma de ação antimicrobiana destas substâncias é o ataque que realizam na membrana plasmática, que apresenta vários grupos funcionais com carga elétrica negativa, tais como lipopolissacarídeos, no caso de bactérias Gram-negativas ou o ácido teicóico, no caso de bactérias Gram-positivas. Este ataque pode tanto inibir estes grupamentos funcionais e levar ao rompimento da membrana plasmática, quanto promover a inserção de porções apolares dos peptídeos bioativos através da bicamada lipídica, desencadeado o extravasamento do conteúdo citoplasmático e a morte da célula. A lactoferrina possui a capacidade de interagir diretamente, através de sua porção N-terminal, que apresenta elevado caráter catiônico, com a camada de lipopolissacarídeos carregados negativamente de bactérias Gram-negativas, o que causa danos à membrana celular.

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Atividade anti-hipertensiva

Os peptídeos bioativos de concentrados, isolados e hidrolisados de proteínas do soro do leite que possuem atividade inibitória ou anti-hipertensiva da enzima conversora de angiotensina (ECA) estão fortemente associados ao sistema renina-angiotensina. A ECA desempenha papel importante na conversão da angiotensina I em angiotensina II (vasoconstritor) no sistema renina-angiotensina. Além disso, também degrada a bradicinina, que é um potente vasodilatador.

Revisão sistemática com metanálise que incluiu 17 estudos com 1778 indivíduos concluiu que a suplementação de whey protein resultou em diminuição significativa na pressão arterial sistólica, os resultados foram observados para doses ≥ 30 g/dia, tempo de intervenção de ≤ 10 semanas e em indivíduos com hipertensão, vale ressaltar que a heterogeneidade dos estudos foi em torno de 64,2%.

Em adição, outro estudo avaliou o consumo de 56 g/dia de whey protein durante 8 semanas em adultos pré-hipertensos e com hipertensão moderada nos seguintes parâmetros: monitoramento ambulatorial da pressão arterial (MAPA) de 24 horas, avaliação da função vascular pela dilatação mediada por fluxo (técnica que avalia a vasodilatação dependente do endotélio da vasculatura) e avaliações bioquímicas como: perfil lipídico, glicose e insulina de jejum e proteína C reativa, além de IL-6 (interleucina-6), TNF-α e moléculas de adesão. O consumo de whey protein diminuiu significativamente a pressão arterial monitorada por 24 h, tanto a sistólica e a diastólica, além disso, aumentou a função vascular, diminuiu colesterol total, triglicerídeos e moléculas de adesão.

Impacto no ganho de massa muscular

A qualidade da proteína é importante para o ganho e manutenção de massa muscular. A qualidade da proteína é dependente da digestibilidade da proteína, do conteúdo de aminoácidos e da disponibilidade de aminoácidos. Como já conhecido, a proteína de whey protein é uma das proteínas da mais alta qualidade devido ao seu conteúdo de aminoácidos (alto teor de aminoácidos essenciais, de cadeia ramificada e leucina) e rápida digestibilidade, além de rápida biodisponibilidade para o plasma e para o tecido muscular. É bem documentado na literatura científica que proteínas da dieta são capazes de estimular o crescimento muscular em nível celular, principalmente pelo

seu conteúdo de aminoácidos de cadeia ramificada, em específico, a leucina, pela via mTOR (alvo da rapamicina em mamíferos).

O consumo de proteína de soro do leite tem a capacidade robusta de estimular a síntese de proteína muscular. Nesse sentido, seguindo o consumo de uma refeição contendo proteínas, períodos curtos de hiperaminoacidemia estimulam a síntese proteica muscular (SPM) e a hiperinsulinemia inibe a quebra proteica muscular (QPM) resultando em balança proteico líquido positivo.

Ensaios têm demonstrado que o consumo de proteínas como de whey protein após uma sessão de exercícios de resistência aumenta SPM de maneira dose-dependente. O exercício por si só estimula a SPM, mas também aumenta a QPM, resultando em uma perda liquida de proteína muscular na ausência de um aumento na disponibilidade de aminoácidos. Com o fornecimento de proteína após uma sessão de exercício de resistência ocorre um efeito sinérgico do exercício de resistência e da ingestão de proteína, resultando em um aumento maior da SPM do que qualquer estímulo sozinho, abolindo completamento a QPM, que com o tempo pode levar à hipertrofia muscular.

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Controle da saciedade

Estudo científico demonstrou a associação entre a ingestão de whey protein com o aumento da circulação no plasma de hormônios relacionados à saciedade, incluindo GLP-1 (peptídeo semelhante a glucagon 1), peptídeo YY (PYY), colecistocinina (CCK) e polipeptídeo pancreático (PP) em humanos comparado ao consumo de carboidratos (maltodextrina). No mesmo sentido, o consumo de whey protein também diminuiu a liberação de grelina após 3 horas de ingestão de uma refeição padrão e houve uma menor ingestão de energia comparado ao grupo que consumiu glicose (anteriormente a ingestão da refeição padrão), sendo os resultados consistentes com o aumento da grelina no plasma. Corroborando com os dados anteriores, estudo avaliou o consumo de diversos tipos de proteínas em bebidas aromatizadas (whey protein, albumina e proteína de soja) antes de uma refeição contendo pizza, e foi observado o consumo posterior de calorias totais dentre os diversos tipos de pré-refeições. Como resultado, a ingestão de whey e proteína de soja ocasionou diminuição do consumo alimentar quando comparado ao grupo controle (que ingeriu água).

Em resumo, o whey protein pode ser ingerido para a complementação das necessidades diárias de proteínas em todas as idades e, para algumas situações, pode ser utilizado como coadjuvante a fim da manutenção adequada de parâmetros de saúde.

 

Referências:

 

https://doi.org/10.3390/dairy1030016

https://doi.org/10.1080/07315724.2007.10719651

https://doi.org/10.1210/jc.2005-1856

https://doi.org/10.1038/ejcn.2014.266

https://doi.org/10.3945/ajcn.116.137919

https://doi.org/10.3945/ajcn.112.037556

https://doi.org/10.1097/MPG.0b013e3181cea52b

https://doi.org/10.1089/jmf.2017.4080

 

 

 

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