O câncer é uma doença multifatorial que cresce mundialmente a cada ano, além de ser uma das quatro principais causas de morte na maioria dos países. Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer) o Brasil deverá registrar 625 mil novos casos de câncer para cada ano do triênio 2020/2022 (1).
Prevenir o câncer é possível? A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que cerca de 40% das mortes por câncer poderiam ser evitadas, o que faz da prevenção um componente essencial de todos os planos de controle do câncer (1).
Uma vez que o câncer é uma doença cujo processo tem início com um dano a um gene ou a um grupo de genes de uma célula e progride quando os mecanismos do sistema imunológico de reparação ou destruição celular falham, a pergunta que cabe então é: quais hábitos podem contribuir para a prevenção do câncer?
Dessa forma, a prevenção do câncer, que será tratada neste artigo, refere-se a um conjunto de medidas para estimular, reduzir ou evitar a exposição a fatores que aumentam a possibilidade de um indivíduo desenvolver uma determinada doença ou sofrer um determinado agravo, comumente chamados de fatores de risco. Os fatores de risco de câncer podem ser encontrados no ambiente físico, ser herdados, ou representar comportamentos ou costumes próprios de um determinado ambiente social e cultural (2).
As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo, estando ambas inter-relacionadas.
As causas externas, como substâncias químicas, irradiação, micro-organismos e fatores comportamentais, estão relacionados ao meio ambiente, ou seja, constituem os fatores de risco ambientais. De todos os casos de câncer, de 80% a 90% estão associados a fatores ambientais. Alguns desses fatores são bem conhecidos (2):
- O cigarro pode causar câncer de pulmão (cerca de 90% dos cânceres de pulmão são causados pelo cigarro) e muitos outros tipos de câncer.
- O uso de bebidas alcoólicas pode causar câncer de boca, orofaringe e laringe (principalmente quando associado ao fumo), esôfago e fígado.
- A exposição excessiva ao sol pode causar câncer de pele.
- Alguns micro-organismos também podem causar câncer (exemplo: HPV – vírus associado ao câncer do colo do útero e Helicobacter pylori (HP) – bactéria associada ao desenvolvimento do carcinoma gástrico e do linfoma gástrico.
- A radiação também pode causar câncer: a incidência e a mortalidade por câncer nos habitantes das cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, após a explosão da bomba atômica (no fim da Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1945), ainda hoje são muito altas.
- Inatividade física, comportamentos sedentários como o hábito de assistir TV, a obesidade e a alimentação não saudáveis podem causar diversos tipos de câncer, como de intestino (cólon e reto), ovário, endométrio, tireoide, entre outros.
As causas internas, como hormônios, condições imunológicas e mutações genéticas são, na maioria das vezes, geneticamente predeterminadas e estão ligadas à capacidade do organismo de se defender das agressões externas. Apesar de o fator genético exercer um importante papel na formação dos tumores (oncogênese), são raros os casos de câncer que se devem exclusivamente a fatores hereditários, familiares e étnicos. Alguns tipos de câncer, como os de mama, estômago e intestino, parecem ter um forte componente familiar, embora não se possa afastar a hipótese de exposição dos membros da família a uma causa comum (2).
Fatores de risco modificáveis
Diversos fatores de risco classificados como modificáveis já foram identificados, como uso de tabaco e álcool, hábitos alimentares inadequados, inatividade física, agentes infecciosos, radiação ultravioleta, exposições ocupacionais, poluição ambiental, radiação ionizante, alimentos contaminados, obesidade e situação socioeconômica. Há ainda, nessa relação, o uso de drogas hormonais, fatores reprodutivos e imunossupressão. Essa exposição é cumulativa no tempo e, portanto, o risco de câncer aumenta com a idade. Mas é a interação entre os fatores modificáveis e os não modificáveis que vai determinar o risco individual de câncer (3).
A boa notícia é que parte desses fatores ambientais depende do comportamento do indivíduo, que pode ser modificado, reduzindo o risco de desenvolver um câncer.
Uso de tabaco
É a principal causa dos cânceres de pulmão, laringe, cavidade oral e esôfago. Tem um importante papel nos cânceres de bexiga, pâncreas, colo do útero, leucemia mieloide e outros (4), sendo assim, evitar esse uso é um fator que realiza uma ótima prevenção.
Quais os hábitos que podem estimular a prevenção do câncer?
Alimentação saudável
Considera-se que o consumo regular de frutas, legumes e verduras é um grande responsável na diminuição do risco de cânceres de pulmão, pâncreas, cólon e reto, próstata, esôfago, boca, faringe e laringe. Entretanto, a contaminação de alimentos pode ocorrer naturalmente, como no caso das aflatoxinas (câncer de fígado) (5).
Além disso, uma alimentação rica em gordura saturada e pobre em frutas, legumes e verduras aumenta o risco dos cânceres de mama, cólon, próstata e esôfago (5). Alimentação rica em alimentos de alta densidade energética também é uma aliada no aumento do risco de ganho de peso e de desenvolvimento de sobrepeso e obesidade, que são fatores de risco para diversos tipos de câncer. Lembrando que alimentos de alta densidade energética concentram muitas calorias em um pequeno volume. Em termos práticos, são alimentos que contêm mais de duas calorias por grama. Na sua próxima ida ao supermercado, olhe o rótulo de um biscoito qualquer, divida o número de calorias da porção pelo total de gramas da porção, que aparece listada no rótulo nutricional, e descubra se ele é um alimento de alta densidade energética (5).
Exercício e atividade física
A atividade física (ocupacional, de transporte, além da doméstica ou de lazer) de intensidade moderada a vigorosa reduz o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Benefícios relevantes para a saúde podem ser acumulados tornando-se fisicamente ativo, e progredindo na duração (tempo) e intensidade conforme houver melhoras no condicionamento físico e/ou houver percepção de bem-estar.
Há uma relação inversa não linear esperada entre a atividade física de lazer e o risco de câncer, assim, a atividade física é um componente-chave dos esforços de prevenção e controle de câncer em toda a população. Além disso, ser fisicamente ativo protege contra ganho de peso, sobrepeso e obesidade, que conforme já apontado, estão ligados a vários tipos de câncer (6).
Limitar hábitos sedentários, tais como ficar muito tempo exposto à televisão, computador, celular, tablet ou videogame, também é importante (6) Sobrepeso, obesidade e alimentação inadequada O sobrepeso e a obesidade podem causar cânceres de esôfago (adenocarcinoma), estômago (cárdia), pâncreas, vesícula biliar, fígado, intestino (cólon e reto), rins, mama (mulheres na pós-menopausa), ovário, endométrio, meningioma, tireoide e mieloma múltiplo. Além disso, está possivelmente associado aos de próstata (avançado), mama (homens) e linfoma difuso de grandes células B. Estimativas indicam que aproximadamente 12% dos casos dos cânceres mais comuns no Brasil poderiam ser prevenidos somente pela manutenção da gordura corporal adequada. Esse cenário reforça a importância da manutenção do peso corporal adequado nos diferentes ciclos de vida. Por exemplo, talvez para um idoso com mobilidade reduzida, seja interessante uma atividade de menor impacto como a hidroginástica. Nos últimos anos, o aumento expressivo na prevalência de sobrepeso e obesidade em todos os grupos etários reflete as mudanças ocorridas no padrão alimentar dos brasileiros e evidencia uma exposição cada vez mais precoce da população a esse fator de risco (7). Consumo excessivo de bebidas alcoólicas O uso excessivo de bebidas alcoólicas pode causar cânceres de boca, faringe, laringe, esôfago, fígado, mama e cólon e reto. O risco de desenvolver câncer de cavidade oral é aumentado quando há associação ao fumo (5).
A inatividade física e os comportamentos sedentários aumentam o risco de mortalidade por câncer. Os mecanismos da carcinogênese da inatividade física comuns à obesidade são: anormalidades na secreção hormonal, resistência à insulina e resposta inflamatória aumentada (6).
O comportamento sedentário surgiu recentemente como um fator de risco para a saúde e refere-se a atividades com baixo nível de gasto de energia, como se sentar, deitar ou assistir televisão ou vídeos. Numerosos estudos epidemiológicos sugeriram uma relação positiva entre comportamento sedentário e risco de diferentes tipos de câncer (6).
Microbiota intestinal
A microbiota tem um papel fundamental nos diversos aspectos do processo saúde-doença. A microbiota intestinal emergiu como um ator crítico na manutenção da saúde humana, influenciando não apenas o trato gastrointestinal, mas também órgãos distais, como cérebro, fígado e pâncreas. Como tal, a disbiose, que se refere a alterações composicionais e funcionais do microbioma intestinal, que contribui para o desenvolvimento de várias condições patológicas, incluindo obesidade, diabetes, doenças neurodegenerativas e tumores (8). Em um estado simbiótico, as interações hospedeiro-micróbio neutralizam os patógenos invasores e previnem a tumorigênesse (origem de um tumor ou massa tumoral maligna ou não), no entanto, interrupções na composição da microbiota podem mudar a homeostase em direção a um estado de disbiose. Tais desequilíbrios no ambiente microbiano local podem modular as respostas imunológicas do hospedeiro e a inflamação para favorecer a patogênese e progressão da doença (8).
Partindo dessa premissa, já conseguimos tirar algumas conclusões, não é? Temos que entender que a exposição que fazemos do meio externo, influencia diretamente no papel protetor ou inimigo da microbiota; bons hábitos de vida, como alimentação saudável, controle de peso e prática de atividade física diárias, podem modular essa microbiota, tornando-a amiga, estimulando fatores de proteção e prevenção de doenças inclusive o câncer.
Conclusão
A prevenção do câncer depende de medidas para reduzir ou evitar a exposição aos seus fatores de risco. Esse é o nível mais abrangente das ações de controle da doença. As causas externas e internas podem interagir de várias formas, aumentando a probabilidade de transformações malignas nas células normais.
O surgimento do câncer depende da intensidade e da duração da exposição das células aos agentes causadores de câncer. O diagnóstico precoce é a estratégia utilizada na tentativa de se descobrir o mais cedo possível uma doença, valorizando e avaliando os sintomas e/ou sinais clínicos que o paciente apresenta, principalmente quando associados à presença de fatores de risco. A prevenção com ênfase nos fatores associados ao modo de vida, em todas as idades, e com intervenções de combate a agentes ambientais e ocupacionais cancerígenos pode trazer bons resultados na redução do câncer.
Referências bibliográficas:
- Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020 : incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro : INCA, 2019.
- STECK, Susan E. e MURPHY, E. Angela. Dietary patterns and cancer risk. Nature Reviews Cancer, v. 20, n. 2, p. 125–138, 17 Fev 2020.
- RAVASCO, Paula. Nutrition in Cancer Patients. Journal of Clinical Medicine, v. 8, n. 8, p. 1211, 14 Ago 2019.
- Hecht SS. Tobacco carcinogens, their biomarkers and tobacco-induced cancer. Nat Rev Cancer. 2003 Oct;3(10):733-44. Erratum in: Nat Rev Cancer. 2004 Jan;4(1):84.
- ARENDS, Jann e colab. ESPEN guidelines on nutrition in cancer patients. Clinical Nutrition, v. 36, n. 1, p. 11–48, 2017.
- Hojman P, Gehl J, Christensen JF, Pedersen BK. Molecular Mechanisms Linking Exercise to Cancer Prevention and Treatment. Cell Metab. 2018 Jan 9;27(1):10-21. doi: 10.1016/j.cmet.2017.09.015. Epub 2017 Oct 19.
- M. IYENGAR Neil, A. HUDIS Clifford, J. DANNENBERG Andrew. Obesity and Cancer: Local and Systemic Mechanisms. Annu. Rev. Med, v. 66, p. 297–309, 2015. 8. Dzutsev, A.; Goldszmid, R.S.; Viaud, S.; Zitvogel, L.; Trinchieri, G. The role of the microbiota in inflammation, carcinogenesis, and cancer therapy. Eur. J. Immunol. 2015, 45, 17–31.
João Pinheiro
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