A acne é uma doença inflamatória bastante comum entre adolescentes e jovens adultos. Sua fisiopatologia envolve quatro fatores essenciais: excesso de produção sebácea, hiperproliferação da bactéria Cutibacterium acnes, hiperqueratinização do folículo e inflamação 1.
O aumento na produção de sebo na pele é estimulado pelo fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), e hormônios androgênicos produzidos por glândulas também estimuladas pela IGF-1. Além disso, o IGF-1 reduz os níveis do fator de transcrição 1 Forkhead Box (FOXO1), o que leva à ativação do alvo do mamífero do complexo 1 de rapamicina (mTORC1), associado à proliferação e metabolismo celular 1,2.
Na acne, o mTORC1 está envolvido na hiperproliferação das glândulas sebáceas, na produção de lipídios e no aumento do tamanho de queratinócitos. Assim, verifica-se o papel crucial de tais substâncias na fisiopatologia da acne 2.
A ativação da mTORC1 também ocorre via leucina, aminoácido encontrado nas proteínas das carnes e laticínios 2.
A maior prevalência de acne em populações com dieta ocidental, rica em laticínios, alimentos processados e açúcares, sugere que a dieta influencia a patogênese da acne 3.
Aminoácidos contidos no leite promovem a secreção de insulina e estimulam a produção de IGF-1. Diversos estudos mostram que maiores níveis sanguíneos de IGF-1 estão relacionados a maior severidade da acne 2,4.
A relação entre acne e laticínios tem sido investigada em crianças, adolescentes e jovens adultos de diferentes países, e com diferentes tipos de laticínios, como leite, iogurtes, queijos e sorvetes. Dessa forma, este artigo tem o objetivo de apresentar o impacto do consumo de laticínios no desenvolvimento da acne.
Relação entre laticínios e acne
O consumo de laticínios, como leite, iogurte e queijos, é frequente na população ocidental e, segundo estudos, está associado à acne, em indivíduos entre sete e 30 anos de idade, independentemente do teor de gordura desses alimentos.
A ingestão de um copo de leite por dia foi mais associada ao risco para acne do que o consumo entre dois e seis copos de leite por semana, em estudo realizado por Juhl et al. (2018). Pesquisadores apontam que o consumo de leite, a partir de três vezes na semana, já é suficiente para ter efeito deletério na acne 6. Isso contribui para a orientação nutricional baseada na redução do consumo de leite, para a população que sofre com acne, ao invés de proibir tal alimento.
Uma das hipóteses que explica tal relação é que, apesar de em pequena quantidade, tais alimentos contêm androgênios, precursores de dihidrotestosterona e outros fatores de crescimento não esteroidais, que podem afetar a unidade pilossebácea.
Além disso, o consumo de lácteos é associado ao aumento dos níveis de IGF-1. A hiperinsulinemia, causada por tais efeitos, também aumenta os níveis de IGF-1, impactando na hiperplasia e apoptose dos queratinócitos.
No tratamento da acne, é comum o uso de medicamentos antibióticos da classe tetraciclina, que apresentam absorção reduzida quando ingeridos com laticínios. O cálcio presente nesses alimentos pode quelar a doxiciclina, por exemplo. Por isso, é importante, no atendimento nutricional, questionar o uso de medicamentos e realizar a orientação correta, para que a dieta não interfira na absorção do medicamento e prejudique o tratamento médico do paciente 2.
Uma metanálise recente verificou que, apesar do leite ser relacionado à acne, iogurtes e queijos não estiveram associados ao desenvolvimento das lesões 2,10.
Alguns pesquisadores sugerem que o impacto do consumo de laticínios na acne ocorre devido ao índice de insulina, definido como a elevação dos seus níveis no sangue, durante duas horas após o consumo. O leite tem índice de insulina muito alto, independentemente do seu teor de gorduras, assim como sorvetes devido ao açúcar adicionado, enquanto o queijo contém índice de insulina baixo, o que pode explicar a relação entre leite e sorvete com acne, e a não relação entre queijo e acne. Porém, mais estudos devem ser realizados para investigar tais associações 2,11.
Considerações finais
Dessa forma, verifica-se que o consumo de laticínios pode desempenhar papel importante no desenvolvimento, agravamento e no tratamento da acne, portanto, a orientação nutricional deve ser individualizada, com base na correlação entre a queixa do paciente com acne e seu consumo de laticínios, devendo ser apresentadas alternativas aos produtos lácteos para suprir seu valor nutricional quando eles estiverem associados à acne do paciente. Também é importante ressaltar que, em determinados casos, apenas a redução do consumo de lácteos já pode contribuir na melhora do quadro clínico.
Referências bibliográficas
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Marianne Rocha
@nutri.mariannerocha