Transtorno alimentar (TA)
Os transtornos alimentares são síndromes comportamentais, cujos critérios diagnósticos têm sido amplamente estudados nos últimos 30 anos. São descritos como transtornos e não como doenças, por ainda não se conhecer bem sua etiopatogenia. Os atuais sistemas classificatórios de transtornos mentais, DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual, IV edition) e CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição), ressaltam duas entidades nosológicas principais: a Anorexia Nervosa (AN) e a Bulimia Nervosa (BN). Embora classificados separadamente, os dois transtornos acham-se intimamente relacionados por apresentarem psicopatologia comum: uma ideia prevalente envolvendo a preocupação excessiva com o peso e a forma corporal (medo de engordar), que leva as pacientes a se engajarem em dietas extremamente restritivas ou a utilizarem métodos inapropriados para alcançarem o corpo idealizado. Tais pacientes costumam julgar a si mesmas baseando-se quase que exclusivamente em sua aparência física, com a qual se mostram sempre insatisfeitas.1
Transtornos alimentares durante a história
Dos principais transtornos do comportamento alimentar, a anorexia nervosa (AN) foi a primeira a ser descrita, já no século XIX, e a pioneira a ser adequadamente classificada e ter critérios operacionais reconhecidos, na década de 1970. A bulimia nervosa (BN) foi descrita por Gerald Russell, em 1979, e um terceiro grupo heterogêneo de quadros assemelhados, mas que não apresentavam sintomas completos, nem para o diagnóstico de AN nem para BN, foram classificados como Transtornos Alimentares Atípicos nos anos 1980.2
Anorexia nervosa
A anorexia nervosa caracteriza-se por perda de peso intensa e intencional, às expensas de dietas extremamente rígidas, com uma busca desenfreada pela magreza, uma distorção grosseira da imagem corporal e alterações do ciclo menstrual.3
Bulimia nervosa
A bulimia nervosa caracteriza-se por grande ingestão de alimentos com sensação de perda de controle, os chamados episódios bulímicos. A preocupação excessiva com o peso e a imagem corporal leva o paciente a métodos compensatórios inadequados para o controle de peso, como vômitos autoinduzidos, uso de medicamentos (diuréticos, inibidores de apetite, laxantes), dietas e exercícios físicos.4
Nova possibilidade de TA: a ortorexia
O termo ortorexia foi usado pela primeira vez, em 1997, pelo médico americano, Steven Bratman, para descrever uma obsessão por uma alimentação saudável (10), caracterizada por uma excessiva preocupação com a saúde e alimentos. Já Donini et al. (2005), definem ortorexia como uma atitude com características de personalidade obsessivo-compulsivo, sendo o indivíduo um “fanático” por hábitos alimentares saudáveis.5
Ao propor, nomear e caracterizar a ortorexia nervosa, Bratman também levou em conta a avaliação de si próprio quando, em certa fase da vida, apresentava-se excessivamente preocupado com certos aspectos alimentares: a qualidade e o frescor dos vegetais, a ponto de cultivá-los para uso próprio; a contagem da mastigação a cada colherada de alimento; o local de alimentação e a quantidade de comida. De acordo com seu testemunho pessoal: Era um vegetariano, comia legumes frescos e de qualidade plantados por mim, mastigava cada colherada mais de 50 vezes, comia sempre sozinho, em local sossegado, e deixava o meu estômago parcialmente vazio, no final de cada refeição. Tornei-me um presunçoso, que desdenhava qualquer fruto colhido da árvore há mais de quinze minutos. Durante um ano fiz esta dieta, senti-me forte e saudável. Observava com desprezo àqueles que comiam batatas fritas e chocolates como meros animais reduzidos à satisfação dos seus desejos. Mas não estava satisfeito com a minha virtude e sentia-me sozinho e obcecado. Evitava a prática social das refeições e obrigava-me a esclarecer familiares e amigos acerca dos alimentos.6
Ao longo dos séculos temos visto uma grande variação e constante mudança aos tais “padrões de beleza” impostos pela sociedade. Sabemos que hoje, em pleno século XXI, estamos cercados por inúmeros meios de comunicação que nos ajudam em tarefas do dia-a-dia fornecendo informações úteis. Mas, infelizmente, junto com todas essas vantagens, temos o que podemos citar como “ditadura da moda, fama e bem-estar” onde todos são felizes com seus corpos esculturais e aparentemente conseguem tudo o que mais querem, desde empregos melhores a viagens de lazer.
Podemos entender por imagem corporal a forma como um indivíduo se vê, porém nem sempre é a imagem real de si próprio. O indivíduo pode ter uma interpretação distorcida do que vê, o que pode resultar em um TA. Podemos citar como exemplos os casos de AN, onde os acometidos por esses transtornos não conseguem enxergar a perda de peso, estipulado por si mesmo, e nunca está satisfeito com o peso atual, sempre se enxergando acima do peso, apesar de sua imagem corporal ser completamente o oposto.7
A ortorexia não é um transtorno formal, mas, em casos extremos, suas características obsessivas se tornam patológicas, conduzindo a uma dieta muito restritiva, com exclusão de vários alimentos considerados prejudiciais e, até mesmo, ao isolamento social (BO et al., 2014).
O comportamento ortoréxico apresenta similaridades e diferenças, quando comparado com os comportamentos alimentares característicos dos transtornos alimentares como anorexia. A semelhança das pessoas com anorexia, aquelas com ortorexia nervosa também demonstram sentimentos, crenças, pensamentos e comportamentos para com os alimentos que podem ser considerados obsessivos, extremistas e restritivos.6
Além de restrições alimentares, a disfunção leva a um comportamento típico que acaba por demandar muito tempo do sujeito na busca, seleção, preparação e adequação dos alimentos. Diferentemente da anorexia ou bulimia, a ortorexia não é um transtorno alimentar quantitativo, e sim qualitativo, ou seja, as pessoas com ortorexia preocupam-se, sobretudo, com a qualidade do alimento escolhido. Dessa forma, são excluídos da alimentação alimentos que não sejam orgânicos ou que possam passar por processamentos que ocasionam perda de nutrientes e/ ou incorporação de substâncias nocivas à saúde.
Além da questão da qualidade, Bratman já havia percebido e apontado que as pessoas com ortorexia tendem a se privar do convívio social, preferindo realizar suas refeições sozinhas, como forma de evitar questionamentos quanto a suas escolhas alimentares e preocupações. Assim, o foco principal não é a perda de peso, mas sim a obtenção de uma alimentação tida como perfeita pelo sujeito.6
Principais profissionais afetados
São considerados grupos de risco para o desenvolvimento de ortorexia nervosa, estudantes da área de saúde, nutricionistas, bailarinas, médicos, atletas, como fisiculturistas e os praticantes de atletismo, que por trabalharem com o corpo são cobrados implicitamente pela sociedade a terem um corpo ideal.
Presos a uma sensação enganosa de segurança e desejo de domínio sobre a própria vida, os indivíduos com transtornos alimentares aderem às dietas descontínuas, insuficientes e desequilibradas, que acabam resultando em carências nutricionais devido à retirada de vários grupos alimentares importantes da alimentação.
A alimentação saudável é um dos mais importantes conceitos enfatizados quando se analisa questões relacionadas com a melhoria da saúde. Estudantes e profissionais da área são cobrados constantemente por um padrão saudável e estético, justificando sua vulnerabilidade a transtornos alimentares.8
Recentemente, a ortorexia nervosa foi descrita como também sendo capaz de acometer o sexo masculino, considerando que tanto homens quanto mulheres podem transformar em obsessão o desejo por uma alimentação saudável, reforçando sua importância como um problema de saúde. Ortoréxicos possuem muitas vezes uma história ou características em comum com pacientes anoréxicos. São pessoas muito cuidadosas, detalhistas e metódicos, e, portanto, sujeitas ao autocuidado e proteção exagerada.9
Profissionais de nutrição acometidos pela ON
O grupo mais vulnerável a sofrer obsessão pela imagem corporal são os profissionais da área da saúde, principalmente os nutricionistas. Sendo assim, alguns questionamentos são levantados por conta da visão do nutricionista em relação à alimentação saudável. Os nutricionistas têm formação acadêmica excessiva e/ou baseada na qualidade nutritiva da dieta. Essa visão poderia gerar comportamentos ortoréxicos, que seriam passados aos seus pacientes e assim por diante, causando um efeito cascata. A investigação da prevalência da ortorexia nervosa em algumas populações, seguida de esclarecimentos e adequadas orientações, pode ser instrumento útil e adequado para que esses profissionais encontrem um equilíbrio nas suas práticas alimentares, a fim de evitar que essas orientações acerca da alimentação saudável sejam disseminadas, e esses pensamentos rígidos não sejam passados como efeito dominó.6
O nutricionista que sofre com obesidade tem dificuldade na sua atuação e identidade profissional, tornando o debate mais complexo, colocando em conflito esse paradoxo existente entre as premissas de sua profissão. O profissional de nutrição tem um papel de grande importância, e é cobrado pela sociedade a ter um corpo e uma alimentação ideal. Essa autoanálise na imagem corporal em estudantes de nutrição é fundamental, dada sua importância na equipe de profissionais que atuam no manejo dos transtornos do comportamento alimentar, bem como sua notável função no cuidado da saúde e alimentação, em especial nas práticas de promoção à saúde.10
Considerações finais
A literatura refere maior incidência de distúrbios alimentares e alterações na imagem corporal em certos grupos, onde a exigência pelo cuidado com a alimentação é maior: modelos, atrizes, atletas e nutricionistas são mais vulneráveis para desenvolver transtorno alimentar, tanto pelo consumo alimentar excessivo ou deficiente, como por serem alvos de cobrança com o próprio corpo.
Considerações finais
- CLAUDINO, Angélica de Medeiros; BORGES, Maria Beatriz Ferrari. Critérios diagnósticos para os transtornos alimentares: conceitos em evolução. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 24, supl. 3, p. 07-12, Dec. 2002.
- CORDAS, Táki Athanássios. Transtornos alimentares: classificação e diagnóstico. Rev. psiquiatr. clín. São Paulo, v. 31, n. 4, p. 154-157, 2004. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000400003&lng=en&nrm=iso.
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- MARTINS et al. Ortorexia nervosa: reflexões sobre um novo conceito. Rev. Nutr., Campinas , v. 24, n. 2, p. 345-357, Apr. 2011 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732011000200015&lng=en&nrm=iso.
- SILVEIRA, Simone Alves Da; AVALIAÇÃO DA PREVALÊNCIA DE ORTOREXIA E DEPENDÊNCIA DO EXERCÍCIO FISICO EM ATLETAS DE DIFERENTES MODALIDADES ESPORTIVAS, 2015. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/143759/000997821.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
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- SAIKALI, Carolina Jabur et al. Imagem corporal nos transtornos alimentares. Rev. psiquiatr. clín. São Paulo, v. 31, n. 4, p. 164-166, 2004. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000400006&lng=en&nrm=iso.
- COELHO, Barbara Rodrigues et al. Risco de ortorexia nervosa e o comportamento alimentar de estudantes de nutrição. Scientia Plena. v. 13, n. 7, 2017. Disponível em: https://www.scientiaplena.org.br/sp/article/view/3687.
- SOUSA, Eleta Maria Barros de Arruda Cavalcanti. Ortorexia Nervosa: Revisão da literatura. 2017. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, CENTRO ACADÊMICO DE VITÓRIA, CURSO DE GRADUAÇÃO EM NUTRIÇÃO,2017. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23884/1/SOUSA%2C%20ELETA%20MARIA%20BARROS%20DE%20ARRUDA%20CAVALCANTI.pdf.
- SANTOS, Karolina Morais de Andrade. Ortorexia nervosa em estudantes de nutrição: o vício de comer saudável. 2017. 27 f. Artigo (Graduação) – Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/handle/235/11174.
- SANTOS, Karolina Morais de Andrade. Ortorexia nervosa em estudantes de nutrição: o vício de comer saudável. 2017. 27 f. Artigo (Graduação) – Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/handle/235/11174.