Ômega 3 para o Paciente Oncológico | Blog Nutrify

Ômega 3 para o Paciente Oncológico

O câncer é um problema de saúde global, definido como um grande grupo de doenças que envolvem o crescimento descontrolado de células que podem invadir outras partes do corpo e se expandir. Suas causas podem ser tanto genéticas como também epigenéticas – em outras palavras, vários fatores podem influenciar a ocorrência e progressão do câncer como mutações genéticas hereditárias, alterações hormonais, consumo de álcool, tabagismo, doenças concomitantes, poluição, etc. Devido a relativa indisponibilidade, baixo custo-benefício e aos efeitos colaterais do tratamento quimioterápico (incluindo quimio, foto e radioterapia), têm se dado cada vez mais atenção a estratégias preventivas no paciente oncológico 1.

Suplementação de Ômega 3, DHA e Esteatose Hepática | Blog Nutrify

Na busca pela prevenção do câncer descobriu-se, em diversos estudos epidemiológicos, que o alto consumo de peixes está inversamente correlacionado com as taxas de incidência de alguns tipos de câncer. Com este dado em mãos, diversos autores buscaram a relação entre o consumo de ômega-3 (gordura comumente encontrada em alguns peixes) e melhorias não somente na prevenção da doença, mas, também, em seu tratamento 1.

Ômega 3 – conceitos básicos

O termo ‘’ômega-3’’ refere-se a um grupo de ácidos graxos poliinsaturados que contém uma dupla-ligação inicial entre o terceiro e o quarto átomo; o ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosahexaenóico (DHA) são ácidos graxos ômega-3 conhecidos por desempenhar um importante papel na fisiologia humana. Além deles, o ácido alfa-linolênico (ALA) também é um ácido graxo ômega-3, porém o mesmo apresenta menores benefícios na saúde humana quando comparado aos outros ácidos graxos; este ácido pode se converter em EPA e DHA no corpo humano, mas esta capacidade de conversão é limitada e pode, inclusive, se tornar cada vez menos eficiente com o passar dos anos. Assim, os ácidos graxos ômega-3 devem ser obtidos de fontes alimentares e/ou através da suplementação para benefícios potenciais 1, 2, 3.

Ômega-3 no tratamento oncológico – mecanismos de ação

Muitas publicações vêm trazendo à tona diversas possibilidades que dizem respeito aos benefícios da suplementação de ômega-3 no tratamento oncológico. Uma das teorias levantadas na literatura é a de que o consumo de ômega-3 poderia tornar as células tumorais mais sensíveis a ação de radicais livres, uma vez que a membrana tende a se tornar menos rígida e mais vulnerável (especialmente num ambiente de um maior consumo de gorduras insaturadas). Além disso, os ácidos graxos ômega-3 também têm sido relacionados com um aumento da autodestruição de células tumorais, limitando a capacidade de expansão do câncer. Em 2019, alguns autores trouxeram à tona mais hipóteses pelas quais o ômega-3 poderia complementar um tratamento oncológico, e aspectos anti-inflamatórios provenientes da produção de mediadores lipídicos pró-resolução (resolvinas, protectinas, neuroprotectinas e maresinas). Foram sugeridos como um potencial mecanismo benéfico do ômega-3, sendo tais substâncias potencialmente capazes de reduzir a infiltração leucocitária e reduzir restos celulares induzindo, por consequência, uma cessação de processos inflamatórios. Dentro do contexto de efeitos fisiológicos, é importante salientar que a suplementação de ômega-3 se demonstrou segura na grande maioria dos estudos publicados até então – seus efeitos colaterais parecem ter mais relação com o sabor residual e ao ‘’arroto de peixe’’, fatores que não alteram negativamente a fisiologia durante o tratamento oncológico 1, 4, 5.

Ômega-3 no tratamento oncológico – estudos publicados

No ano de 2015, uma revisão sistemática reuniu 10 trabalhos que, juntos, forneceram dados de 383 pacientes com diferentes tipos de câncer (mama, colorretal, pulmão, gastrointestinal e um câncer indeterminado). Os tratamentos utilizados foram majoritariamente quimioterapias (n = 8), porém outros trabalhos também foram feitos com radioterapia (n = 1) e quimiorradioterapia (n = 1). Na reunião dos artigos, os autores perceberam que o efeito mais reprodutível com a suplementação de ômega-3 era em sua capacidade de auxiliar na manutenção e/ou no aumento do peso corporal de pacientes submetidos a este tipo de tratamento. É importante salientar que, mais do que o peso corporal, a composição corporal é um importante fator prognóstico em pacientes com câncer: uma maior quantidade de massa muscular está diretamente relacionada com maiores índices de sobrevivência após o tratamento. No mesmo artigo, níveis mais baixos de inflamação sistêmica foram encontrados em todos os estudos que realizaram a investigação através dos níveis de PCR, o que pode auxiliar em aspectos clínicos durante o tratamento 6, 7.

Em 2011, um estudo realizado em pacientes com câncer de pulmão forneceu a suplementação de 2.5g de óleo de peixe (EPA + DHA) para alguns pacientes, enquanto o outro grupo realizou o tratamento ‘’comum’’, sem a adição da suplementação. Ao final do estudo, os autores perceberam que aqueles que receberam a suplementação de ômega-3 obtiveram uma melhor taxa de resposta à quimioterapia de primeira linha em comparação ao grupo que não recebeu o suplemento, e não houve alterações no padrão de toxicidade. Além disso, ao final do tratamento, o grupo suplementado com ômega-3 apresentou maior taxa de sobrevida quando comparado ao grupo que não realizou a suplementação 8.

Já no ano de 2018, um estudo brasileiro investigou 60 pacientes do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) com câncer gástrico. Os participantes foram divididos em 02 grupos (n = 34) onde o grupo intervenção recebeu uma fórmula enriquecida de ômega-3 (3.2g/dia), enquanto o grupo placebo recebeu uma fórmula padrão sem ômega-3. Ao final de 30 dias, comparado ao grupo placebo, o grupo que recebeu a fórmula enriquecida de ômega-3 apresentou um ganho de peso corporal (o grupo placebo não apresentou ganho), bem como obteve um melhor controle de níveis inflamatórios observados em marcadores como IL-6 9.

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Em 2021, um recente estudo no formato de ensaio clínico randomizado foi realizado em pacientes com câncer de pulmão, e a suplementação de 2.4g de EPA + DHA foi fornecida aos participantes ao longo de 12 semanas. No final do estudo, aqueles pacientes que receberam a suplementação de ômega-3 apresentaram um aumento tanto no peso corporal como também nos níveis de albumina sérica, bem como reduções em marcadores inflamatórios (PCR e TNFα) quando comparado ao grupo placebo; por consequência, um estado fisiológico mais saudável foi encontrado nos pacientes que receberam a suplementação 10.

Ainda que diversos trabalhos demonstram benefícios com a suplementação de ômega-3, é importante salientar que o uso deste suplemento no paciente oncológico não é um consenso no meio científico. Em 2021, uma Guideline publicada pela Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) reitera que as evidências atualmente disponíveis sobre o assunto são conflitantes. No entanto, a mesma Guideline sugere que trabalhos recentes apoiam os benefícios anteriormente citados neste artigo, como melhoria na manutenção do peso corporal e também em outros fatores como melhoria no apetite, morbidade pós-cirúrgica e qualidade de vida em pacientes com câncer que perdem peso 4.

Uma importante ressalva é a de que, tão importante quanto os possíveis benefícios da suplementação, é a ausência de efeitos colaterais significativos com o uso deste suplemento. Os colaterais mais relatados, na maioria dos artigos científicos tem relação direta com palatabilidade (como o ‘’arroto de peixe’’ e o sabor residual), não havendo a presença de efeitos colaterais que confiram efeitos negativos significativos para o corpo humano – a ressalva fica para pacientes que utilizam o medicamento ibrutinibe, que foi recentemente associado à epistaxe em pacientes que utilizam o óleo de peixe 4.

Conclusão

A suplementação de ômega-3 tem uma série de mecanismos que podem auxiliar no tratamento do paciente oncológico. Ainda que mais estudos sejam necessários visando uma maior replicabilidade de dados que envolvem diversos mecanismos recentemente descobertos, o fato da plausabilidade biológica do suplemento andar ‘’de mãos dadas’’ com a segurança do mesmo (sendo relatados poucos efeitos colaterais) fortalece a possibilidade da suplementação de ômega-3 ser uma opção para complementar o tratamento de pacientes oncológicos.

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Referências:

1)    NABAVI, Seyed Fazel et al. Omega-3 polyunsaturated fatty acids and cancer: lessons learned from clinical trials. Cancer and Metastasis Reviews, v. 34, n. 3, p. 359-380, 2015.

2)    Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição: nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença / Silvia Maria Franciscato Cozzolino, Cristiane Cominetti – Barueri, SP : Manole, 2013.

3)    Zhou Q, Zhang Z, Wang P, Zhang B, Chen C, Zhang C, Su Y. EPA+DHA, but not ALA, Improved Lipids and Inflammation Status in Hypercholesterolemic Adults: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Trial. Mol Nutr Food Res. 2019 May;63(10):e1801157. doi: 10.1002/mnfr.201801157. Epub 2019 Apr 23. Erratum in: Mol Nutr Food Res. 2020 Apr;64(7):e2070012. PMID: 30900815.

4)    MUSCARITOLI, Maurizio et al. ESPEN practical guideline: Clinical Nutrition in cancer. Clinical Nutrition, v. 40, n. 5, p. 2898-2913, 2021.

5)    Freitas RDS, Campos MM. Protective Effects of Omega-3 Fatty Acids in Cancer-Related Complications. Nutrients. 2019 Apr 26;11(5):945. doi: 10.3390/nu11050945. PMID: 31035457; PMCID: PMC6566772.

6)    SILVA, Juliana de Aguiar Pastore; DE SOUZA FABRE, Maria Emilia; WAITZBERG, Dan Linetzky. Omega-3 supplements for patients in chemotherapy and/or radiotherapy: A systematic review. Clinical nutrition, v. 34, n. 3, p. 359-366, 2015.

7)    Limpawattana P, Theerakulpisut D, Wirasorn K, Sookprasert A, Khuntikeo N, Chindaprasirt J. The impact of skeletal muscle mass on survival outcome in biliary tract cancer patients. PLoS One. 2018 Oct 10;13(10):e0204985. doi:

8)    MURPHY, Rachel A. et al. Supplementation with fish oil increases firstline chemotherapy efficacy in patients with advanced nonsmall cell lung cancer. Cancer, v. 117, n. 16, p. 3774-3780, 2011.

9)    Feijó PM, Rodrigues VD, Viana MS, Dos Santos MP, Abdelhay E, Viola JP, de Pinho NB, Martucci RB. Effects of ω-3 supplementation on the nutritional status, immune, and inflammatory profiles of gastric cancer patients: A randomized controlled trial. Nutrition. 2019 May;61:125-131. doi: 10.1016/j.nut.2018.11.014. Epub 2018 Nov 24. PMID: 30710885.

10)  Cheng M, Zhang S, Ning C, Huo Q. Omega-3 Fatty Acids Supplementation Improve Nutritional Status and Inflammatory Response in Patients With Lung Cancer: A Randomized Clinical Trial. Front Nutr. 2021 Jul 30;8:686752. doi: 10.3389/fnut.2021.686752. PMID: 34395492; PMCID: PMC8362886.

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