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Ômega-3 – Atualizações para a prática clínica

Os ácidos graxos ômega-3 são ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) com mais de uma ligação dupla entre carbonos na sua estrutura química. Suas fontes provenientes de peixes incluem o ácido eicosapentaenóico (EPA, ou 20:5), ácido docosahexaenoico (DHA, 22:6) e ácido docosapentaenóico (DPA, 22:5); o ácido alfa-linolênico (ALA, 18:3), por sua vez, é um tipo de ômega-3 de cadeia mais curta encontrado especialmente em plantas e animais alimentados com capim, que é parcialmente convertida em ácidos graxos ômega-3 de cadeia mais longa no corpo humano (1, 2).

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Em 1972, Bang e colaboradores traziam à tona pela primeira vez a sugestão de que uma dieta abundante em ômega-3 presente em inuítes da Groenlândia poderia ser um dos fatores responsáveis pelas baixas taxas de mortalidade e baixos níveis de isquemia cardíaca neste povo. Desde então, o interesse no estudo destes ácidos graxos como possível protetor para inúmeras doenças aumentou consideravelmente: No Pubmed, até o dia 12/07/22, 35.626 artigos publicados envolvendo ômega-3 no título do estudo podiam ser encontrados (3, 4, 5).

Dentre a densa literatura já publicada sobre os ácidos graxos ômega-3, como em todas as vertentes que envolvem a área da saúde, novos estudos são sempre publicados. Este artigo tem como propósito trazer à tona as principais atualizações relacionadas ao consumo de ômega-3 e seus possíveis benefícios relacionados à saúde do ser humano.

Saúde cognitiva

Com uma população cada vez mais envelhecida, o declínio cognitivo tornou-se uma preocupação global: sugere-se que o número de pessoas com demência, por exemplo, quase dobre a cada 20 anos. Sabe-se que o DHA é um dos principais fosfolipídios presentes na membrana da substância cinzenta do cérebro, compondo aproximadamente 25% do total de ácidos graxos presentes no córtex cerebral humano e 50% de todos os ácidos graxos poli-insaturados presentes no Sistema Nervoso Central (SNC). Os níveis de DHA no cérebro diminuem com a idade adulta, e podem ser particularmente baixos em pacientes com Alzheimer. Com tais bases fisiológicas, diversos autores iniciaram a análise da eficácia da suplementação de ômega-3 visando melhorias em quadros clínicos relacionados à saúde cognitiva. Uma revisão da Cochrane publicada em 2012 não encontrou diferenças expressivas com a suplementação de ômega-3 para prevenção de declínios cognitivos e demência em idosos saudáveis; em contrapartida, uma outra meta-análise publicada no mesmo ano apresentou dados que sugerem melhorias em quesitos como atenção, velocidade de processamento e memória imediata em pacientes com comprometimento cognitivo leve, mas não em indivíduos saudáveis ou com Doença de Alzheimer (DA). Os autores sugerem que existem potenciais mediadores da resposta ao tratamento, como polimorfismos presentes no gene ApoE (relacionado a maiores riscos de comprometimento de memória e declínio cognitivo) e os níveis plasmáticos de DHA, explicando as divergências presentes na literatura. Um recente estudo publicado em 2022 traz novos dados à discussão, trazendo dados pré-clínicos que reforçam a hipótese de melhorias em indivíduos com alto risco de declínio cognitivo precoce. Estudos realizados em tal população demonstraram melhorias em parâmetros como função cognitiva, velocidade de processamento e mais baixos níveis de ineficiência cognitiva com estudos que duraram entre 16 semanas e 30 meses – as melhorias geradas pela suplementação estão possivelmente relacionadas à efeitos anti-inflamatórios, de redução de stress oxidativo e melhorias na microbiota intestinal, trazendo como consequência uma diminuição na neuroinflamação e um aumento nas funções cognitivas (6, 7, 8).

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Doenças Cardiovasculares (DCV) e fatores de risco

Como dito no início deste artigo, a redução do risco de doenças cardiovasculares foi o ‘’pontapé inicial’’ para o estudo de potenciais benefícios adicionais desta classe de ácidos graxos. Dois trabalhos publicados em 2012 demonstraram que, à nível epidemiológico, concentrações mais elevadas de ômega-3 na dieta ou no plasma sanguíneo estariam associadas a menores riscos de insuficiência cardíaca, doença coronariana e morte. Recentemente, estes dados foram atualizados por revisões e meta-análises mais recentes, que corroboram com boa parte dos achados anteriores. Uma revisão publicada em 2019 concluiu após a análise de dados de mais de 127.000 pessoas que a suplementação de ômega-3 em dosagens de 0,376 à 4g/dia pode reduzir o risco de infarto do miocárdio, de mortes relacionadas a Doença Arterial Coronariana (DAC) e mortes por doenças cardiovasculares em geral – estando estes benefícios relacionados à dosagem de forma dose-dependente. Em 2020, uma revisão da Cochrane analisou 86 ensaios clínicos publicados entre 1968 e 2019 e foi vista uma redução nos níveis de triglicerídeos de aproximadamente 15%, assim como taxas ligeiramente reduzidas para mortalidade cardiovascular e eventos de DAC. Por fim, é importante ressaltar que a além da magnitude dos efeitos da suplementação ter relação direta com a dosagem utilizada no protocolo (a dosagem de 1g/dia, por exemplo, não teve efeito significativo sobre resultados primários em vários ensaios, enquanto alguns estudos com populações de alto risco para DCV sugerem doses de até 4g/dia),  outros fatores como a população do estudo, a ingestão de ômega-3 na dieta e o uso de estatinas ou outras terapias cardioprotetoras também têm influência direta no tamanho do efeito da suplementação (9, 10, 11, 12, 13).

Artrite Reumatoide

A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune caracterizada pela inflamação crônica nas articulações. Pelos efeitos antiinflamatórios do ômega-3, hipotetizou-se que a suplementação destes ácidos graxos seria capaz de reduzir alguns dos sintomas da AR e a dependência dos pacientes de medicamentos comumente utilizados, como anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e corticosteróides. Os trabalhos se iniciaram entre as décadas de 1980 e 1990, e alguns ensaios encontraram benefícios na redução dos medicamentos – mas sem um efeito significativo na redução das dores articulares, inchaço nas articulações ou na rigidez matinal. Posteriormente, novos estudos publicados entre 2004 e 2012 foram realizados com o intuito de consolidar tais resultados, mas com resultados inconsistentes: enquanto algumas revisões sugerem que a suplementação não afeta de forma significativa os sintomas da AR, outras sugerem que sintomas como inchaço, dores articulares e rigidez matinal podem ser amenizados com a suplementação. Cabe a ressalva de que, em consenso, a maioria das revisões publicadas até o momento sugerem que a suplementação é capaz de reduzir o uso de AINEs. Em 2021, uma nova revisão sistemática publicada por Raad e colaboradores avaliando um total de 20 artigos que incluíram a suplementação de ômega-3 concomitantemente à uma intervenção nutricional visando melhorias dos sintomas encontrou resultados ainda heterogêneos, mas alguns dos resultados avaliados pelos autores sugeriram que a suplementação em conjunto com uma intervenção dietética proporcionar benefícios adicionais quando comparado a intervenção dietética feita de maneira isolada visando melhorias na AR (14, 15, 16, 17, 18).

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Depressão

Com o objetivo de fortalecer as evidências relacionando o consumo destes ácidos graxos com a saúde mental, vários autores buscaram estabelecer um elo entre a suplementação de ômega-3 e melhorias no Transtorno Depressivo Maior (TDM) – a popular ‘’depressão’’. Uma meta-análise publicada em 2016 sugeriu, após a análise de 26 estudos que incluíram mais de 150.000 participantes, que havia um risco 17% menor de se desenvolver depressão quando havia uma maior ingestão de peixes na alimentação. À época, no entanto, uma revisão publicada na Cochrane concluía que não haviam evidências suficientes para determinar que a suplementação de ômega-3 poderia ser benéfica para melhorias do TDM em adultos. Tal revisão fora atualizada em novembro de 2021 e, após a análise de 34 estudos verificando o impacto da suplementação de ômega visando o auxílio no tratamento de TDM, demonstrou-se que a suplementação de ômega-3 resultou em um benefício pequeno e modesto para a sintomatologia depressiva em comparação ao placebo, podendo auxiliar na qualidade de vida dos pacientes que passam por este tratamento sem que necessariamente existam maiores riscos de efeitos colaterais com o tratamento, uma vez que os níveis de efeitos colaterais entre o grupo placebo e o grupo suplementado com ômega-3 se mantiveram iguais (19, 20, 21).

Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)

Pela sua relação com funções cognitivas, os ácidos graxos ômega-3 também tiveram testes realizados no âmbito científico para avaliar sua eficácia no auxílio do tratamento de TDAH. Uma revisão sistemática e meta-análise publicada em 2016 avaliou 10 estudos e os autores concluíram que, ainda que em pequena magnitude, a suplementação de ômega-3 poderia auxiliar na labilidade emocional e no comportamento de oposição de algumas crianças com TDAH. Em 2018, uma revisão sistemática e meta-análise publicada com o intuito de investigar o efeito da suplementação de ômega-3 em sintomas de jovens com TDAH sugeriu que a suplementação melhora os sintomas totais de TDAH em comparação com o placebo, com um tamanho de efeito também modesto. Por fim, em 2021, um novo estudo duplo-cego randomizado e controlado por placebo feito em 78 crianças não encontrou benefícios adicionais com a suplementação, mas os autores deixam a ressalva de que a suplementação é possivelmente mais eficaz em crianças e com distúrbios clínicos e/ou desempenho inferior de funções executivas em comparação a colegas da mesma idade, podendo o tamanho do efeito da suplementação ser modificado de acordo com o público que a receberá (22, 23, 24).

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Segurança & conclusão

De acordo com a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (European Food Safety Authority – EFSA), dosagens de 5 g/dia sendo provenientes de uma combinação de EPA + DHA não conferem maiores preocupações para a população adulta quanto à segurança, enquanto a suplementação de DHA sozinho na quantidade de até 1 g/dia não confere maiores riscos para a população em geral com relação a possíveis efeitos colaterais. (25).

Uma vez que a imensa maioria dos estudos citados anteriormente trabalha com quantidades menores do que 5 g/dia e sendo assim uma suplementação com segurança comprovada, o uso de ômega-3 pode ser um auxílio complementar para terapias medicamentosas muitas vezes utilizadas nas doenças acima citadas. Ainda que as evidências sobre vários assuntos sejam por vezes heterogêneas, a segurança do produto pode auxiliar na tomada de decisão final do profissional da saúde em conjunto com o paciente/cliente visando a utilização deste suplemento. Como em todas as ocasiões que envolvem uma decisão clínica, um profissional qualificado da área deve ser consultado.

Instagram: @nutrieliasbacarin

E-mail: nutricionistaeliasbacarin@outlook.com

1)    ABDELHAMID, Asmaa S. et al. Omega3 fatty acids for the primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 11, 2018.

2)    Gammone MA, Riccioni G, Parrinello G, D’Orazio N. Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids: Benefits and Endpoints in Sport. Nutrients. 2018 Dec 27;11(1):46. doi: 10.3390/nu11010046. PMID: 30591639; PMCID: PMC6357022.

3)    BANG, Hans O.; DYERBERG, Jørn. Plasma lipids and lipoproteins in Greenlandic west coast Eskimos. Acta Medica Scandinavica, v. 192, n. 16, p. 85-94, 1972.

4)    BANG, H. O.; DYERBERG, J.; HJØRNE, N. The composition of food consumed by Greenland Eskimos. Acta Medica Scandinavica, v. 200, n. 16, p. 69-73, 1976.

5)    PubMed [internet]. Bethesda: US National Library of Medicine [acesso em 12 jul 2022]. Disponível em: http://www.pubmed.gov

6)    Troesch B, Eggersdorfer M, Laviano A, Rolland Y, Smith AD, Warnke I, Weimann A, Calder PC. Expert Opinion on Benefits of Long-Chain Omega-3 Fatty Acids (DHA and EPA) in Aging and Clinical Nutrition. Nutrients. 2020 Aug 24;12(9):2555. doi: 10.3390/nu12092555. PMID: 32846900; PMCID: PMC7551800.

7)    SYDENHAM, Emma; DANGOUR, Alan D.; LIM, WeeShiong. Omega 3 fatty acid for the prevention of cognitive decline and dementia. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 6, 2012.

8)    Mora I, Arola L, Caimari A, Escoté X, Puiggròs F. Structured Long-Chain Omega-3 Fatty Acids for Improvement of Cognitive Function during Aging. Int J Mol Sci. 2022 Mar 23;23(7):3472. doi: 10.3390/ijms23073472. PMID: 35408832; PMCID: PMC8998232.

9) Del Gobbo LC, Imamura F, Aslibekyan S, Marklund M, Virtanen JK, Wennberg M, et al. Omega-3 polyunsaturated fatty acid biomarkers and coronary heart disease: pooling project of 19 cohort studies. JAMA Intern Med 2016;176:1155-66.

10)  Djousse L, Akinkuolie AO, Wu JH, Ding EL, Gaziano JM. Fish consumption, omega-3 fatty acids and risk of heart failure: a meta-analysis. Clin Nutr 2012;31:846-53.

11)  Hu Y, Hu FB, Manson JE. Marine omega-3 supplementation and cardiovascular disease: an updated meta-analysis of 13 randomized controlled trials involving 127 477 participants. J Am Heart Assoc 2019;8:e013543.

12)  Abdelhamid AS, Brown TJ, Brainard JS, Biswas P, Thorpe GC, et al. Omega-3 fatty acids for the primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database Syst Rev. 2020;3:CD003177.

13)  Bhatt DL, Steg PG, Miller M, Brinton EA, Jacobson TA, et al; REDUCE-IT Investigators. Cardiovascular risk reduction with icosapent ethyl for hypertriglyceridemia. N Engl J Med 2019;380:11-22.

14)  Raad T, Griffin A, George ES, Larkin L, Fraser A, Kennedy N, Tierney AC. Dietary Interventions with or without Omega-3 Supplementation for the Management of Rheumatoid Arthritis: A Systematic Review. Nutrients. 2021 Oct 4;13(10):3506. doi: 10.3390/nu13103506. PMID: 34684507; PMCID: PMC8540415.

15)  MacLean CH, Mojica WA, Morton SC, Pencharz J, Hasenfeld Garland R, Tu W, et al. Effects of omega-3 fatty acids on lipids and glycemic control in type ii diabetes and the metabolic syndrome and on inflammatory bowel disease, rheumatoid arthritis, renal disease, systemic lupus erythematosus, and osteoporosis. Evidence Report/Technology Assessment no. 89 (prepared by Southern California/RAND Evidence-based Practice Center, under contract no. 290-02- 0003). Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2004.

16)  Lee YH, Bae SC, Song GG. Omega-3 polyunsaturated fatty acids and the treatment of rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Arch Med Res 2012;43:356-62. [PubMed abstract]

17)  Miles EA, Calder PC. Influence of marine n-3 polyunsaturated fatty acids on immune function and a systematic review of their effects on clinical outcomes in rheumatoid arthritis. Br J Nutr 2012;107 Suppl 2:S171-84. [PubMed abstract]

18)  Goldberg RJ, Katz J. A meta-analysis of the analgesic effects of omega-3 polyunsaturated fatty acid supplementation for inflammatory joint pain. Pain 2007;129:210-23. [PubMed abstract]

19)  Li F, Liu X, Zhang D. Fish consumption and risk of depression: a meta-analysis. J Epidemiol Community Health 2016;70:299-304

20)  Appleton KM, Sallis HM, Perry R, Ness AR, Churchill R. Omega-3 fatty acids for depression in adults. Cochrane Database Syst Rev 2015;11:CD004692. [PubMed abstract]

21)  APPLETON, Katherine M. et al. Omega3 fatty acids for depression in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 11, 2021.

22)  Cooper RE, Tye C, Kuntsi J, Vassos E, Asherson P. The effect of omega-3 polyunsaturated fatty acid supplementation on emotional dysregulation, oppositional behaviour and conduct problems in ADHD: A systematic review and meta-analysis. J Affect Disord 2016;190:474-82. [PubMed abstract]

23)  Chang JP, Su KP, Mondelli V, Pariante CM. Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids in Youths with Attention Deficit Hyperactivity Disorder: a Systematic Review and Meta-Analysis of Clinical Trials and Biological Studies. Neuropsychopharmacology. 2018 Feb;43(3):534-545. doi: 10.1038/npp.2017.160. Epub 2017 Jul 25. PMID: 28741625; PMCID: PMC5669464.

24)  Roach LA, Byrne MK, Howard SJ, Johnstone SJ, Batterham M, Wright IMR, Okely AD, de Groot RHM, van der Wurff ISM, Jones AL, Meyer BJ. Effect of Omega-3 Supplementation on Self-Regulation in Typically Developing Preschool-Aged Children: Results of the Omega Kid Pilot Study-A Randomised, Double-Blind, Placebo-Controlled Trial. Nutrients. 2021 Oct 12;13(10):3561. doi: 10.3390/nu13103561. PMID: 34684562; PMCID: PMC8539495.

25)  EFSA PANEL ON DIETETIC PRODUCTS, NUTRITION AND ALLERGIES (NDA). Scientific opinion on the tolerable upper intake level of eicosapentaenoic acid (EPA), docosahexaenoic acid (DHA) and docosapentaenoic acid (DPA). EFSA Journal, v. 10, n. 7, p. 2815, 2012.

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