Interação entre Nutrientes e a Saúde Mental

Atualmente um número crescente de estudos têm demonstrado que a dieta e nutrição são críticos não apenas para uma adequada fisiologia e composição corporal, mas também tem efeitos significativos no humor e no bem-estar mental. A dieta afeta não somente a composição do cérebro, estrutura e função, mas também hormônios endógenos, neuropeptídeos, neurotransmissores e o eixo intestino-cérebro, modulando o estresse e a inflamação e preservando a função cognitiva. Nesse sentido, a ingestão de nutrientes específicos tem apresentado efeitos benéficos na saúde mental [1,2].

Ômega-3

Os lipídios são relevantes na função cerebral pelo fato de que o SNC possui a maior concentração desse nutriente no organismo, depois do tecido adiposo (50-60% do peso seco do cérebro é composto por lipídios). Entre eles, o cérebro contém grande quantidade de ácidos graxos poli-insaturados – PUFAs, principalmente da família dos ômegas-3. No cérebro humano, o docosahexaenoico (DHA) é responsável por 10-15% do total de ácidos graxos (saturados, monoinsaturados e ácidos graxos poli-insaturados – PUFAs). Dessa forma, os PUFAs são indispensáveis para o desenvolvimento normal e funções do SNC [3].

Em metanálise (avaliação com maior credibilidade científica) foi observado concentração diminuída de EPA, DHA e total de PUFAs da série ômega 3 entre 3318 indivíduos depressivos. Além disso, estudo apontou correlação negativa entre sintomas ansiosos de indivíduos com depressão e níveis de ômega-3 (EPA e DHA) no sangue [4,5]. Nesse sentido, a suplementação de ômega-3 tem sido utilizada em estudos clínicos nos mais diversos transtornos de humor como depressão, ansiedade, bipolaridade, dentre outros, a fim de elucidar os efeitos das diferentes composições e doses de ômega-3 nessas condições.

Estudos demonstraram que a ingestão de ômega- 3 pode ter efeito em indivíduos com ansiedade severa, doses acima de 2000 mg de ômega-3/dia demonstraram mais efetividade em reduzir os sintomas (concentração de EPA < 60% da composição (EPA+DHA) [6]. Em contrapartida, na depressão, a literatura suporta benefícios clínicos com concentrações de EPA ≥60% e doses ≥1g e < 2g (EPA+DHA) [7,8].

Em relação a cognição, existem evidências que apontam o efeito positivo da ingestão de 0,9 g de DHA/dia por 24 semanas em indivíduos adultos e idosos com algum tipo de degeneração cognitiva, sendo os efeitos mais pronunciados em idosos, demonstrando melhora na função executiva (fluência verbal) e neuroimagem. Da mesma forma, o consumo de 1,3 g DHA e 0,45 g EPA diariamente por 12 meses em idosos com déficit cognitivo leve melhorou significativamente a memória e atenção. Além disso, indivíduos mais jovens saudáveis (entre 18–45 anos) também se beneficiaram do consumo de 1,16 g/dia DHA e 0,17 g/dia EPA por 6 meses, obtendo melhora da memória [9–11].

 

Vitamina B12 e Ácido fólico

A vitamina B12 participa principalmente da formação dos oligodendrócitos, células produtoras de mielina. A mielina compõe a bainha de mielina que envolve os axônios de muitos nervos e serve como um condutor elétrico, facilitando a velocidade de condução. A deficiência de vitamina B12 é mais comum em idosos, estimada em torno de 30-40% e pode ser devido à má absorção. Estudo realizado com 3884 pessoas observou que os indivíduos com deficiência de vitamina B12 apresentaram 70% a mais de risco de desenvolver depressão quando comparado a indivíduos com níveis normais [12].

Em relação a cognição, estudo com 39 pacientes que apresentavam deficiência de B12 (<172 pmol/L) e comprometimento cognitivo relatou melhora significativa da cognição (protocolo utilizado, do inglês Mini-Mental State Examination – MMSE) com a suplementação da vitamina após 21 dias [13].

Já a deficiência de ácido fólico foi associada a depressão grave, no qual 30% dos pacientes apresentaram níveis baixos de ácido fólico. A deficiência afeta o metabolismo do carbono 1, causando elevações nos níveis de homocisteína e diminuição dos níveis de S-adenosil-L-metionina (SAMe). O SAMe é um doador de grupo metil imprescindível para a síntese dos neurotransmissores serotonina e dopamina. Em adição, o excesso de homocisteína pode ser neurotóxico e superativar receptores glutamatérgicos, podendo implicar em depressão [14].

Prebióticos

            A disbiose intestinal, como já bem descrita, é a perturbação da composição da microbiana intestinal e tem sido associada a distúrbios neurológicos com componentes inflamatórios. As alterações da microbiota intestinal aumentam a permeabilidade intestinal e da barreira hematoencefálica (BHE), podendo contribuir para o acúmulo no cérebro de moléculas derivadas da microbiota intestinal (lipopolissacarídeos, LPS) e com subsequente alteração homeostática para condições pró-inflamatórias no cérebro. A micróglia, células que fazem a vigília ativa do tecido cerebral, são as principais responsáveis pela produção de fatores inflamatórios no cérebro e estão associadas à neuroinflamação.  Essa pode alterar as sinapses neuronais, levando a disfunções na plasticidade neural e progressão de alterações psiquiátricas como ansiedade, depressão e doenças neurodegenerativas [15].

Dados pré-clínicos e clínicos apontam que alguns prebióticos têm impactos positivos no SNC podendo diminuir a neuroinflamação e, assim, ter função na modulação do comportamento cognitivo, ansiedade e depressão. Estudos clínicos com prebióticos apontam que os frutooligossacarídeo (FOS) e inulina em dosagens entre 5-10 g são seguros para melhorar a aprendizagem, a memória e o comportamento de indivíduos adultos saudáveis [16]. A beta-glucana também se mostrou efetiva em melhorar a confusão, raiva e tensão em indivíduos submetidos ao estresse [17].

Evidências de dados pré-clínicos demonstram que os mecanismos de ação dos prebióticos podem ser pela prevenção da disbiose intestinal, neuroinflamação e ansiedade, além de possuir efeitos anti-depressivos e reduzir respostas ao estresse. Além disso, eles podem ter a capacidade de modular a produção de neurotransmissores [18]. A ingestão de frutanos demonstrou aumentar a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BNDF) no hipocampo de roedores, o BNDF é um fator neuroprotetor que está associado a neurogênese e plasticidade sináptica. Ele tem sido bastante estudado uma vez que níveis baixos de BNDF são associados a transtornos do humor e de cognição [19].

Dessa forma, é crescente o corpo de evidência cientifica a respeito da relação entre a ingestão de nutrientes, uma dieta balanceada e variada para a preservação das funções do cérebro e bem-estar. Esse cuidado é particularmente importante quando se considera o envelhecimento humano e que o cérebro sofre significativamente com o impacto do estresse ao longo da vida, além da diminuição dos fatores de proteção que ocorrem com a maturidade.

 

Referências:

[1]            Kris-Etherton PM, Petersen KS, Hibbeln JR, Hurley D, Kolick V, Peoples S, et al. Nutrition and behavioral health disorders: Depression and anxiety. Nutr Rev 2021;79:247–60. https://doi.org/10.1093/nutrit/nuaa025.

[2]            Muscaritoli M. The Impact of Nutrients on Mental Health and Well-Being: Insights From the Literature. Front Nutr 2021;8. https://doi.org/10.3389/fnut.2021.656290.

[3]            Larrieu T, Layé S. Food for mood: Relevance of nutritional omega-3 fatty acids for depression and anxiety. Front Physiol 2018;9. https://doi.org/10.3389/fphys.2018.01047.

[4]            Lin PY, Huang SY, Su KP. A meta-analytic review of polyunsaturated fatty acid compositions in patients with depression. Biol Psychiatry 2010;68:140–7. https://doi.org/10.1016/j.biopsych.2010.03.018.

[5]            Liu JJ, Galfalvy HC, Cooper TB, Oquendo MA, Grunebaum MF, Mann JJ, et al. Omega-3 polyunsaturated fatty acid (PUFA) status in major depressive disorder with comorbid anxiety disorders. Journal of Clinical Psychiatry 2013;74:732–8. https://doi.org/10.4088/JCP.12m07970.

[6]            Su KP, Tseng PT, Lin PY, Okubo R, Chen TY, Chen YW, et al. Association of Use of Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids With Changes in Severity of Anxiety Symptoms: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Netw Open 2018;1:e182327. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2018.2327.

[7]            Liao Y, Xie B, Zhang H, He Q, Guo L, Subramaniapillai M, et al. Efficacy of omega-3 PUFAs in depression: A meta-analysis. Transl Psychiatry 2019;9. https://doi.org/10.1038/s41398-019-0515-5.

[8]            Kelaiditis CF, Gibson EL, Dyall SC. Effects of long-chain omega-3 polyunsaturated fatty acids on reducing anxiety and/or depression in adults; A systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids 2023;192. https://doi.org/10.1016/j.plefa.2023.102572.

[9]            Stonehouse W, Conlon CA, Podd J, Hill SR, Minihane AM, Haskell C, et al. DHA supplementation improved both memory and reaction time in healthy young adults: A randomized controlled trial. American Journal of Clinical Nutrition 2013;97:1134–43. https://doi.org/10.3945/ajcn.112.053371.

[10]          Yurko-Mauro K, McCarthy D, Rom D, Nelson EB, Ryan AS, Blackwell A, et al. Beneficial effects of docosahexaenoic acid on cognition in age-related cognitive decline. Alzheimer’s and Dementia 2010;6:456–64. https://doi.org/10.1016/j.jalz.2010.01.013.

[11]          Lee LK, Shahar S, Chin AV, Yusoff NAM. Docosahexaenoic acid-concentrated fish oil supplementation in subjects with mild cognitive impairment (MCI): A 12-month randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Psychopharmacology (Berl) 2013;225:605–12. https://doi.org/10.1007/s00213-012-2848-0.

[12]          Combined action of SAMe, Folate, and Vitamin B12 in the treatment of mood disorders: a review. n.d.

[13]          Ueno A, Hamano T, Enomoto S, Shirafuji N, Nagata M, Kimura H, et al. Influences of Vitamin B12 Supplementation on Cognition and Homocysteine in Patients with Vitamin B12 Deficiency and Cognitive Impairment. Nutrients 2022;14. https://doi.org/10.3390/nu14071494.

[14]          Muscaritoli M. The Impact of Nutrients on Mental Health and Well-Being: Insights From the Literature. Front Nutr 2021;8. https://doi.org/10.3389/fnut.2021.656290.

[15]          Guo B, Zhang M, Hao W, Wang Y, Zhang T, Liu C. Neuroinflammation mechanisms of neuromodulation therapies for anxiety and depression. Transl Psychiatry 2023;13. https://doi.org/10.1038/s41398-022-02297-y.

[16]          Serra MC, Nocera JR, Kelleher JL, Addison O. Prebiotic Intake in Older Adults: Effects on Brain Function and Behavior. Curr Nutr Rep 2019;8:66–73. https://doi.org/10.1007/s13668-019-0265-2.

[17]          Talbott S, Talbott J. Effect of BETA 1, 3/1, 6 GLUCAN on upper respiratory tract infection symptoms and mood state in marathon athletes. vol. 8. 2009.

[18]          Paiva IHR, Duarte-Silva E, Peixoto CA. The role of prebiotics in cognition, anxiety, and depression. European Neuropsychopharmacology 2020;34:1–18. https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2020.03.006.

[19]          Franco-Robles E, López MG. Agavins increase neurotrophic factors and decrease oxidative stress in the brains of high-fat diet-induced obese mice. Molecules 2016;21. https://doi.org/10.3390/molecules21080998.

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