Nutrição e Ritmos Biológicos | Blog Nutrify

Relação entre a nutrição e os ritmos biológicos

A maior parte da nossa evolução genética aconteceu em um cenário onde os seres humanos viviam em cavernas e se alimentavam do que encontravam ou do que conseguiam caçar. Durante a maior parte da existência da nossa espécie não existia luz artificial, portanto, todo o contato do ser humano com a iluminação era proveniente da luz solar. Evoluímos expostos ao ciclo ambiental de claro e escuro, por isso, nossos processos internos oscilam adaptados a ele. De forma simples: estamos programados para realizar atividades e se alimentar durante o dia e repousar e dormir durante a noite.

A palavra “circadiano” deriva do latim e significa “cerca de um dia”, fazendo referência ao ritmo ambiental. Muitos processos fisiológicos e comportamentais dos seres humanos demonstram ter ritmos circadianos, incluindo regulação da temperatura corporal, cognição, humor, produção e liberação de hormônios, como cortisol e melatonina.  É importante ressaltar que o ciclo circadiano biológico não tem necessariamente a duração exata de 24 horas, podendo ocorrer um pouco além disso, se existirem estímulos. O sono, a atividade física, a alimentação e a exposição à luz são alguns dos determinantes das oscilações circadianas internas, capazes de as aproximar ou afastar do ciclo externo de 24 horas. Esses sinais ambientais, chamados Zeitgebers, fornecem informações de ajuste para o sistema circadiano, sincronizando os ritmos biológicos.1,2

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O desalinhamento circadiano refere-se à perturbação do ciclo interno em relação ao ciclo ambiental de luz. Insônia, dificuldade em acordar pela manhã e sonolência durante o dia são sintomas típicos e imediatos do desalinhamento circadiano. No entanto, as consequências fisiológicas e psicológicas são muito mais amplas e incluem mudanças nos padrões de alimentação, função metabólica e maior risco de doenças.3 Esse desalinhamento ocorre em muitos cenários, sendo alguns transitórios, como viagens que incluem mudança de fuso horário, ou crônicos, como alteração no padrão de horários aos finais de semana (jet lag social) ou no trabalho (shift work)3.

O ritmo atual da nossa sociedade tem se tornado cada vez mais intenso, exigindo que algumas atividades ocorram durante todo o período de 24 horas, o que aumenta a demanda de trabalhadores em turnos. Esse tipo de ocupação, conhecida também como Shift Work (trabalho em turno), engloba tanto o trabalho permanente em horário noturno como o em turnos alternados, caracterizando qualquer trabalhador fora do horário comercial comum (entre 9 da manhã e 5 da tarde). Quando exposto a essa condição, o indivíduo precisa estar acordado em oposição ao ciclo circadiano construído evolutivamente para o ser humano4. Portanto, modificar seus horários de sono e de alimentação os coloca em uma condição de desalinhamento4 ou disrupção circadiana.3

Relação da alimentação e sono com o ciclo circadiano

Horários alterados de sono e de alimentação podem causar distúrbios no balanço hormonal, como da leptina e grelina, reguladores chave de saciedade e fome que possuem variações ao longo do dia.4 Estudos científicos indicam que os trabalhadores em turno apresentam risco aumentado para diabetes (devido provavelmente a um metabolismo alterado da glicose), síndrome metabólica, obesidade, câncer e doença cardiovascular4, quanto maior o período de exposição a uma rotina de trabalho noturna, maior o risco associado.5 Essas observações fizeram com que a maior organização mundial de pesquisa sobre câncer (IARC – OMS) classifica esse tipo de ocupação como potencialmente carcinogênica para seres humanos. Quando estudado em laboratórios, o desalinhamento circadiano demonstrou causar diversas alterações em parâmetros bioquímicos e fisiológicos6,7, como alteração gasto energético, o padrão de utilização de gorduras e carboidratos8, a regulação hormonal9, a pressão arterial e diversos marcadores inflamatórios.10

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Evidências científicas indicam que comer em sincronia com os ritmos circadianos parece reduzir o peso corporal e melhorar significativamente a saúde metabólica. A abordagem prática referente ao antigo ditado popular “comer o café da manhã como um rei, almoçar como um príncipe e jantar como um pobre” foi testada no âmbito científico. Nesse estudo observou-se que mulheres que comeram mais durante o café da manhã e menos a noite perderam 5,1 kg mais peso em um período de 12 semanas do que as que ingeriram as calorias em um padrão oposto. Além disso, o grupo que ingeriu mais calorias no café da manhã teve maior redução da circunferência da cintura, da glicemia de jejum, da insulina, HOMA-IR e de níveis médios de triglicérides. Da mesma forma, a média diária de glicose, insulina e grelina foi significativamente menor, enquanto a saciedade foi significativamente maior no grupo que ingeriu a maior quantidade de calorias no café da manhã. Mesmo apenas um dia pulando essa refeição teve um efeito deletério na expressão de genes que controlam o relógio biológico e o controle glicêmico em outro estudo.11 Consumir o café da manhã é uma estratégia importante no alinhamento dos genes circadianos, principalmente quando também se deseja o controle glicêmico no diabetes tipo 2. Além disso, o relógio circadiano também regula a pressão arterial e a atividade cardiovascular, portanto, o momento da refeição pode ter influências importantes em diversas complicações crônicas da obesidade e do diabetes. Um estudo também mostrou que mulheres que almoçaram às 16:30 (comparado ao grupo que almoçou às13:00) tiveram menor tolerância a glicose12

Considerações finais

Priorizar a ingestão de alimentos e as atividades durante o dia e reservar o período noturno para um sono de qualidade é determinante para regular os relógios biológicos internos ao ciclo circadiano ambiental.  Se expor a luz natural na parte da manhã; evitar telas com luz artificial, grandes refeições e cafeína à noite; tomar chás relaxantes, priorizando um ambiente calmo e tranquilo para dormir são alternativas simples e eficientes para manter a sincronia dos relógios biológicos, promovendo saúde e qualidade de vida a curto e longo prazo.

Referências Bibliográficas

  1.     Quante, M. et al. Zeitgebers and their association with rest-activity patterns. Chronobiol. Int. 36, 203–213 (2019).
  2.     Vetter, C. Circadian disruption: What do we actually mean? Eur. J. Neurosci. 1–20 (2018). doi:10.1111/ejn.14255
  3.     Baron, K. G. & Reid, K. J. Circadian Misalignment and Health. Int Rev Psychiatry. 26, 139–154 (2014).
  4.     James, S. M., Honn, K. A., Gaddameedhi, S. & Van Dongen, H. P. A. Shift Work: Disrupted Circadian Rhythms and Sleep—Implications for Health and Well-being. Curr. Sleep Med. Reports 3, 104–112 (2017).
  5.     Ward, E. M. et al. Carcinogenicity of night shift work. Lancet Oncol. 1–2 (2019). doi:10.1016/S1470-2045(19)30455-3
  6.     Chellappa, S. L., Morris, C. J. & Scheer, F. A. J. L. Effects of circadian misalignment on cognition in chronic shift workers. Sci. Rep. 9, 1–9 (2019).
  7.     Grimaldi, D., Carter, J. R., Cauter, E. Van & Leproult, R. Adverse impact of sleep restriction and circadian misalignment on autonomic function in healthy young adults Daniela. 344, 1173–1178 (2015).
  8.     McHill, A. W. et al. Impact of circadian misalignment on energy metabolism during simulated nightshift work. Proc. Natl. Acad. Sci. 111, 17302–17307 (2014).
  9.     Scheer, F. A. J. L., Hilton, M. F., Mantzoros, C. S. & Shea, S. A. Adverse metabolic and cardiovascular consequences of circadian misalignment. Proc. Natl. Acad. Sci. 106, 4453–4458 (2009).
  10.   Morris, C. J., Purvis, T. E., Hu, K. & Scheer, F. A. J. L. Circadian misalignment increases cardiovascular disease risk factors in humans. Proc. Natl. Acad. Sci. 113, E1402–E1411 (2016).
  11.   Jakubowicz, D. et al. Influences of breakfast on clock gene expression and postprandial glycemia in healthy individuals and individuals with diabetes: A randomized clinical trial. Diabetes Care 40, 1573–1579 (2017).
  12.   Bandín, C. et al. Meal timing affects glucose tolerance, substrate oxidation and circadian-related variables: A randomized, crossover trial. Int. J. Obes. 39, 828–833 (2015).

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