A tríade nutrição, esporte e microbiota

A microbiota intestinal humana é atualmente o foco de interesse convergente em muitas doenças e desempenho físico. O sequenciamento maciço de espécimes da microbiota nos últimos anos, análises de bioinformática e mais recente o desenvolvimento de métodos para quantificar diferentes metabólicos microbianos possibilitou a realização de estudos populacionais em humanos. Dessa forma, permitindo a descoberta de suas implicações no desempenho esportivo [1].

Em relação aos nutrientes, existem vários relatos sobre seus efeitos e padrões de dieta na microbiota intestinal. Contudo, o impacto do exercício físico associado a um padrão de dieta ou tipo de treinamento na microbiota intestinal vem sendo compreendido [1].

Modulação da microbiota intestinal pela atividade física e eixo-intestino músculo

A pesquisa nesse campo está se expandindo ultimamente (Figura 1). Os achados apontam que a microbiota de atletas/pessoas ativas é diferente de outras populações e apresentam alta diversidade microbiana. In 2014, Clarke et al. foram os primeiros a demonstrar maior abundância da microbiota intestinal em atletas de elite de rugby comparada aos controles correspondentes. A abundância do filo Bacterioidetes estava diminuída, enquanto o gênero Akkermansia encontrava-se aumentado nos atletas com baixo IMC (< 25 kg/m2) comparado aos de IMC mais alto (> 28 kg/m2) [2].

Em 2019, Scheiman et al. observaram que a abundância relativa de Veillonella estava aumentada após uma maratona. A inoculação da variedade Veillonella atypica de amostras de fezes desses atletas em camundongos, significativamente aumentou o tempo de exaustão em esteira dos animais inoculados [3].

Figura 1. Principais revisões sobre microbiota intestinal associadas ao esporte [1]

Já O`Donavan et al. utilizando sequenciamento de metagenômica Shotgun relataram maior abundância de Bifidobacterium animalis, Lactobacillus acidophilus, Prevotella intermedia e F. Prausnitzii em atletas com componentes dinâmicos altos (altos VO2 máximo), e maior quantidade de Bacteroides caccae em atletas com ambos componentes, dinâmicos e estáticos (relacionado ao componente de contração voluntária máxima) [4].

Nesse sentido, muitos estudos em modelos animais com dietas controladas também mostram que a atividade física pode modificar a composição da microbiota intestinal, particularmente em sua diversidade e abundância. Contudo, a microbiota responde de maneiras diferentes às modalidades de exercício. Poucos estudos correlacionaram a hipoatividade física em relação à diversidade da microbiota, estudo observacional transversal avaliou mulheres na menopausa que praticavam atividade física ou não, em relação à composição da microbiota intestinal (sequenciamento da microbiota intestinal 16S). Os achados sugeriram correlação inversa entre os parâmetros de sedentarismo avaliados e o número de espécies de bactérias da microbiota [5].

Estudos apontam que a microbiota intestinal também pode estar correlaciona a manutenção da massa magra em disfunções severas, como caquexia. Fomentando o interesse para novas pesquisas relacionados à microbiota intestinal e músculo esquelético. Nay e cols demonstraram em modelo in vivo que a depleção da microbiota intestinal pelo uso de antibióticos afeta a resistência muscular contrátil intrínseca associada à disfunção da homeostase da glicose. Os efeitos deletérios foram normalizados com a ressemeadura da microbiota natural [6].

Modulação da microbiota intestinal pelo exercício e nutrição para saúde e/ou performance

A modulação da microbiota intestinal parece alvo apropriado para intervenções nutricionais e/ou de atividade física a fim da melhora da saúde e/ou performance. Contudo, apesar de ambas as intervenções serem aceitas para modulação da microbiota, existem poucos estudos que relatam a combinação de dieta e atividade física, exceto para estudos que avaliaram o consumo de probióticos associados às práticas esportivas de alto nível [1,7].

A suplementação de probióticos pode ter influência direta ou indireta na melhora de parâmetros físicos e modificação da microbiota intestinal. Por exemplo, a ingestão de Lactobacillus plantarum (PS128) por 4 semanas foi associada à diminuição da concentração de marcadores de dano muscular e estresse oxidativo, após meia maratona em corredores recreacionais sem alterações na capacidade de exercício [7].

Em adição, é conhecido que a suplementação de vitamina C, D e E pode alterar a microbiota pelo aumento das concentrações de espécies benéficas como Bifidobacterium e Lactobacillus. Contudo, esse efeito depende do nível do consumo de vitaminas do hospedeiro, é importante salientar que estudos clínicos são necessários a fim de evitar efeitos adversos devido ao seu consumo excessivo  [8].

Uma investigação a respeito da combinação de exercício físico (HIIT- treino intervalado de alta intensidade) e a suplementação de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 (adição de óleo de linhaça) durante 12 semanas (modelo de obesidade em roedores) demostrou diminuição da massa de gordura corporal, aumento da abundância relativa de Oscillospira na microbiota intestinal. A quantidade de Oscillospira é negativamente correlacionada ao ganho de peso e gordura corporal [9]

Estudo semelhante, avaliou a combinação de exercício físico (HIIT) e extrato rico em polifenóis também durante 12 semanas e utilizando o mesmo modelo animal. Os autores relataram modulação da microbiota intestinal, com aumento da abundância relativa de Anaeroplasmaceae, Christensenellaceae e Oscillospira e melhora do controle glicêmico comparado ao controle [10].

Dessa forma, hoje não há dúvida de que a descoberta da comunidade da microbiota intestinal abriu um campo de pesquisa promissor e em rápido crescimento sobre os efeitos potenciais benéficos à saúde em relação a manipulação da microbiota. Estudos referentes a sua manipulação através do esporte(independentemente de qual seja, como musculação, hidroginástica, futebol, etc) e nutrição têm ganhado cada vez mais atenção a fim do melhor entendimento da tríade nutrição, esporte e microbiota intestinal [1].

Referências

[1]       Boisseau N, Barnich N, Koechlin-Ramonatxo C. The Nutrition-Microbiota-Physical Activity Triad: An Inspiring New Concept for Health and Sports Performance. Nutrients 2022;14. https://doi.org/10.3390/nu14050924.

[2]       Clarke SF, Murphy EF, O’Sullivan O, Lucey AJ, Humphreys M, Hogan A, et al. Exercise and associated dietary extremes impact on gut microbial diversity. Gut 2014;63:1913–20. https://doi.org/10.1136/gutjnl-2013-306541.

[3]       Scheiman J, Luber JM, Chavkin TA, MacDonald T, Tung A, Pham LD, et al. Meta-omics analysis of elite athletes identifies a performance-enhancing microbe that functions via lactate metabolism. Nat Med 2019;25:1104–9. https://doi.org/10.1038/s41591-019-0485-4.

[4]       O’Donovan CM, Madigan SM, Garcia-Perez I, Rankin A, O’ Sullivan O, Cotter PD. Distinct microbiome composition and metabolome exists across subgroups of elite Irish athletes. J Sci Med Sport 2020;23:63–8. https://doi.org/10.1016/j.jsams.2019.08.290.

[5]       Bressa C, Bailén-Andrino M, Pérez-Santiago J, González-Soltero R, Pérez M, Montalvo-Lominchar MG, et al. Differences in gut microbiota profile between women with active lifestyle and sedentary women. PLoS One 2017;12. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0171352.

[6]       Nay K, Jollet M, Goustard B, Baati N, Vernus B, Pontones M, et al. Gut bacteria are critical for optimal muscle function: a potential link with glucose homeostasis. Am J Physiol Endocrinol Metab 2019;317:158–71. https://doi.org/10.1152/ajpendo.

[7]       Fu SK, Tseng WC, Tseng KW, Lai CC, Tsai YC, Tai HL, et al. Effect of daily oral lactobacillus plantarum ps128 on exercise capacity recovery after a half-marathon. Nutrients 2021;13. https://doi.org/10.3390/nu13114023.

[8]       Yang Q, Liang Q, Balakrishnan B, Belobrajdic DP, Feng QJ, Zhang W. Role of dietary nutrients in the modulation of gut microbiota: A narrative review. Nutrients 2020;12. https://doi.org/10.3390/nu12020381.

[9]       Plissonneau C, Capel F, Chassaing B, Dupuit M, Maillard F, Wawrzyniak I, et al. High-intensity interval training and α-linolenic acid supplementation improve dha conversion and increase the abundance of gut mucosa-associated oscillospira bacteria. Nutrients 2021;13:1–21. https://doi.org/10.3390/nu13030788.

[10]     Dupuit M, Chavanelle V, Chassaing B, Perriere F, Etienne M, Plissonneau C, et al. The totum-63 supplement and high-intensity interval training combination limits weight gain, improves glycemic control, and influences the composition of gut mucosa-associated bacteria in rats on a high fat diet. Nutrients 2021;13. https://doi.org/10.3390/nu13051569.

 

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