Longevidade no Contexto do Inflammaging: Compostos para Modulação

Uma primeira definição de inflammaging foi desenvolvida por Franceschi et al. (2000) onde redefiniram o processo de envelhecimento, de acordo com modelos de longevidade, como “redução global na capacidade de lidar com muitos estressores e aumento progressivo do estado pró-inflamatório”. Ele é caracterizado também como uma das mais proeminentes manifestações do envelhecimento em humanos e animais. Níveis de citocinas pró-inflamatórias, incluindo interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) são comumente elevados em idosos quando comparados a pessoas jovens, mesmo nos idosos saudáveis na ausência de infecções. Além disso, ocorrem mudanças complexas no sistema imunológico com a senescência, como o aumento da inabilidade das células T e B, monócitos, natural killer e neutrófilos, dentre outras, tais alterações diminuem a capacidade do organismo de lidar com a inflamação, sobrecarga antigênica crônica e renovação celular. Estes fatores também estão associados ao inflammaging, uma vez que impedem o reestabelecimento de uma resposta adequada à inflamação [1,2].

O inflammaging está subjacente às diversas manifestações associadas à idade, incluindo aumento da vulnerabilidade para doenças, morbidade e mortalidade, o que impacta negativamente na longevidade. Existem evidências que suportam o envolvimento direto do estado inflamatório de baixo grau crônico com o desenvolvimento de dependência e incapacidade em pessoas idosas [3] . Como resultado, essa condição comumente encontrada no envelhecimento tem se tornado uma preocupação em saúde. Diversas possibilidades de fontes associadas ao estado de inflamação de baixo grau crônico têm sido investigadas durante o envelhecimento, dentre elas, mudanças na integridade intestinal [1,4].

A função da microbiota intestinal modulando o inflammaging

 

Muitos estudos têm reportado alterações na resposta imune do intestino envelhecido em animais e humanos [9]. Por exemplo, a redução da secreção de mucina pelas células intestinais e aumento da permeabilidade das membranas mucosas tem sido observadas em pessoas idosas. Essa condição facilita a entrada de micro-organismos nas camadas mucosas, resultando na liberação elevada de lipopolissacarídeos (LPS), endotoxina que eleva a produção de citocinas pró-inflamatórias, podendo levar ao estado ao estado de inflamação de baixo grau [5].

A composição da microbiota intestinal é fundamental para a manutenção da integridade do epitélio intestinal e contenção da inflamação, além de participar do controle do sistema imune inato e específico. O intestino humano é um comensal microbiano “superorganismo” que consiste em trilhões de bactérias e vírus, no qual 4 filos de bactérias (Firmicutes, Bacteroides, Proteobacteria e Actinobacteria) constituem cerca de 98% dos microrganismos constituintes [6]

Estudos têm demonstrado associação do envelhecimento com mudanças na microbiota intestinal (disbiose). Jovens adultos são colonizados por populações diversas de bactérias que coexistem com o hospedeiro em um relacionamento simbiótico. Membros do filo Verrucomicrobia, particularmente Akkermansia muciniphila, suportam a integridade da barreira intestinal por estimular a produção de mucina, prevenindo a permeabilidade da mucosa intestinal e inflamação [7]. Genêros do filo Firmicutes, principalmente Faecalibacterium and Roseburia, produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) que prove energia para a microbiota, evitando a colonização por patógenos; promovem a produção de muco protetivo; fornecem energia para os enterócitos e células imunes; ativam a resposta anti-inflamatória em células apresentadoras de antígenos; promovem a produção de IgA e IgG pelas células B e iniciam a resposta anti-inflamatória pelos neutrófilos [8]. Com o envelhecimento, a composição da microbiota intestinal pode ser alterada, com consequente diversidade microbiana reduzida, devido à diminuição de bactérias benéficas e ao acúmulo de bactérias comensais pró-inflamatórios (Figura 1). Desta forma, a senescência leva a maior susceptibilidade à permeabilidade intestinal e a inflamação sistêmica e, assim, ao inflammaging associado a morbidades e morte prematura em idosos [7].

 

Figura 1. A composição da microbiota intestinal determina a inflamação e possivelmente a expectativa de vida. O lúmen e particularmente a camada de mucina no intestino de jovens adultos são colonizadas por uma população diversa de bactérias comensais que coexistem com o hospedeiro em simbiose. Membros do filo Verrucomicrobia, particularmente Akkermansia muciniphila, sustentam a integridade da barreira intestinal e, assim, evitam vazamentos e subsequente indução da inflamação. Em pessoas idosas, a composição dos comensais intestinais é alterada e a diversidade microbiana é reduzida devido ao acúmulo de comensais potencialmente pró-inflamatórios e diminuição de bactérias benéficas, como membros do filo Verrucomicrobia. Embora a microbiota de centenários mude, sua diversidade e comensais benéficos são mantidos, controlando assim a inflamação e o envelhecimento [7]

Compostos bioativos como reguladores da microbiota intestinal e inflammaging

 

As evidências apresentadas sugerem que alterações na microbiota intestinal do idoso estão associadas ao inflammaging e, assim, é um alvo a ser mitigado a fim de diminuir a vulnerabilidade dos idosos às doenças crônicas, morbidade e mortalidade, trazendo benefícios à saúde do idoso e maior qualidade de vida [9].

Nesse contexto, é conhecido pela literatura científica que a dieta é o maior regulador da composição da microbiota intestinal [10]. A dieta ocidental composta de produtos alimentícios com alta densidade energética, ricos em açúcares e gorduras, pode induzir disbiose e respostas inflamatórias [11]. Por outro lado, as fibras, principalmente as fermentáveis (pectinas, beta-glucanas e inulina), os compostos fenólicos e bactérias probióticas podem modular positivamente a microbiota, a fim da manutenção da saúde do hospedeiro [12].

As fibras são metabolizadas pelas bactérias da microbiota intestinal produzindo os ACCG, que como citados anteriormente, são responsáveis por diversas ações benéficas, como manutenção da integridade da barreira intestinal, produção de muco protetor, manutenção da imunidade, proteção contra patógenos, controle da inflamação sistêmica e são utilizadas como fonte energética de bactérias benéficas [13].

Dentre os compostos fenólicos, as antocianinas têm demonstrado por estudos pré-clínicos e clínicos diminuir fatores inflamatórios (IL-6, proteína C reativa e TNF-α) e modular positivamente a microbiota intestinal, o que pode proteger da disbiose intestinal e inflammaging [14].

Além disso, o resveratrol e seus derivados metabólicos demonstram ter potencial em modular a microbiota e possivelmente a translocação bacteriana e as consequências na inflamação, além de diminuir a síntese de fatores inflamatórios através do decréscimo da ativação do fator nuclear kappa B (NF-kB)[15].

 

Referências:

[1]        Fulop T, Larbi A, Dupuis G, Page A Le, Frost EH, Cohen AA, et al. Immunosenescence and inflamm-aging as two sides of the same coin: Friends or Foes? Front Immunol 2018;8. https://doi.org/10.3389/fimmu.2017.01960.

[2]        Minciullo PL, Catalano A, Mandraffino G, Casciaro M, Crucitti A, Maltese G, et al. Inflammaging and Anti-Inflammaging: The Role of Cytokines in Extreme Longevity. Arch Immunol Ther Exp (Warsz) 2016;64:111–26. https://doi.org/10.1007/s00005-015-0377-3.

[3]        Hubbard RE, O’Mahony MS, Savva GM, Calver BL, Woodhouse KW. Inflammation and frailty measures in older people. J Cell Mol Med 2009;13. https://doi.org/10.1111/j.1582-4934.2009.00733.x.

[4]        Lasry A, Ben-Neriah Y. Senescence-associated inflammatory responses: Aging and cancer perspectives. Trends Immunol 2015;36. https://doi.org/10.1016/j.it.2015.02.009.

[5]        Cani PD, Bibiloni R, Knauf C, Waget A, Neyrinck AM, Delzenne NM, et al. Changes in gut microbiota control metabolic endotoxemia-induced inflammation in high-fat diet-induced obesity and diabetes in mice. Diabetes 2008;57. https://doi.org/10.2337/db07-1403.

[6]        Rinninella E, Raoul P, Cintoni M, Franceschi F, Miggiano GAD, Gasbarrini A, et al. What is the healthy gut microbiota composition? A changing ecosystem across age, environment, diet, and diseases. Microorganisms 2019;7. https://doi.org/10.3390/microorganisms7010014.

[7]        Ragonnaud E, Biragyn A. Gut microbiota as the key controllers of “healthy” aging of elderly people. Immunity and Ageing 2021;18. https://doi.org/10.1186/s12979-020-00213-w.

[8]        Brüünsgaard H, Pedersen BK. Age-related inflammatory cytokines and disease. Immunol Allergy Clin North Am 2003;23. https://doi.org/10.1016/S0889-8561(02)00056-5.

[9]        Yang Q, Liang Q, Balakrishnan B, Belobrajdic DP, Feng QJ, Zhang W. Role of dietary nutrients in the modulation of gut microbiota: A narrative review. Nutrients 2020;12. https://doi.org/10.3390/nu12020381.

[10]      Gowd V, Xie L, Zheng X, Chen W. Dietary fibers as emerging nutritional factors against diabetes: focus on the involvement of gut microbiota. Crit Rev Biotechnol 2019;39. https://doi.org/10.1080/07388551.2019.1576025.

[11]      Klingbeil E, de La Serre CB. Microbiota modulation by eating patterns and diet composition: Impact on food intake. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol 2018;315. https://doi.org/10.1152/ajpregu.00037.2018.

[12]      Sánchez B, Delgado S, Blanco-Míguez A, Lourenço A, Gueimonde M, Margolles A. Probiotics, gut microbiota, and their influence on host health and disease. Mol Nutr Food Res 2017;61. https://doi.org/10.1002/mnfr.201600240.

[13]      Baxter NT, Schmidt AW, Venkataraman A, Kim KS, Waldron C, Schmidt TM. Dynamics of human gut microbiota and short-chain fatty acids in response to dietary interventions with three fermentable fibers. MBio 2019;10. https://doi.org/10.1128/mBio.02566-18.

[14]      Ngamsamer C, Sirivarasai J, Sutjarit N. The Benefits of Anthocyanins against Obesity-Induced Inflammation. Biomolecules 2022;12. https://doi.org/10.3390/biom12060852.

[15]      Chaplin A, Carpéné C, Mercader J. Resveratrol, metabolic syndrome, and gut microbiota. Nutrients 2018;10. https://doi.org/10.3390/nu10111651.

 

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