família de quatro pessoas sentadas a mesa com algumas comidas

Estratégias para reduzir picos de glicose na alimentação

O diabetes mellitus tipo 2 é uma doença metabólica, caracterizada pela diminuição da sensibilidade à insulina e hiperglicemia, e está diretamente relacionada ao excesso de gordura corporal e à obesidade. Existem diversos fatores que contribuem para a obesidade, mas o principal deles é a proporção entre consumo e gasto de energia, ou seja, o consumo de energia é maior do que o gasto. O alto consumo de alimentos pobre em fibras e alto teor calórico contribuem para a agravação deste quadro.

um teste de insulina

O consumo de carboidratos de alto índice glicêmico, eleva mais rapidamente a glicemia sanguínea. Uma hiperglicemia crônica pode levar à disfunção das células beta pancreáticas, diminuindo a liberação de insulina, gerando consequências à saúde como disfunções renais e oculares, doenças cardiovasculares, amputação e outras complicações.  Além disso, a alta carga glicêmica torna os tecidos como músculo esquelético, fígado e tecido adiposo resistentes à insulina.

As fibras dietéticas parecem ser uma boa alternativa para modular o índice glicêmico dos alimentos, retardando o esvaziamento gástrico, proporcionando mais saciedade e reduzindo a absorção de ácidos graxos e colesterol (4)

Vários estudos demonstraram o papel da ingestão adequada de fibras e seus efeitos benéficos no diabetes, pois reduz os picos de glicose na alimentação. Iremos abordar este assunto um pouco mais afundo (5) (6)

Glicemia e Índice glicêmico

Algumas condições exigem uma redução dos picos de glicose na alimentação, como por exemplo em pacientes diabéticos ou pré-diabéticos, onde a manutenção de uma glicemia adequada é determinante na prevenção de complicações da doença.

A glicemia cronicamente elevada, denominada hiperglicemia, pode trazer consequências à saúde como doenças cardiovasculares, neuropatias, nefropatias, doenças hepáticas e oftálmicas (1) (2)

O manejo nutricional é determinante para que haja um controle dos níveis de glicose no sangue e a escolha da qualidade dos alimentos é fundamental. Nesse contexto devemos entender sobre o índice glicêmico dos alimentos e quais as estratégias e combinações de nutrientes são mais eficazes neste controle.

O índice glicêmico refere-se ao aumento da insulina e da glicose no sangue em resposta a ingestão a uma quantidade padrão de carboidrato. Geralmente a glicose e o pão branco são utilizados como referência para estimar o índice glicêmico, padronizados como IG = 100. Alimentos com baixo IG tem um IG menor ou igual a 55; alimentos com IG moderado estão entre 56 e 70; alimentos com alto IG estão acima de 71(3)

Na prática, se ingerimos um pão branco (IG=100), a glicemia irá subir rapidamente, enquanto o consumo de uma maçã (IG=38) fará a glicemia subir pouco e mais devagar. O uso do IG em alimentos isolados ainda é controverso pois pode variar de maneira considerável entre os indivíduos. As tabelas de IG utilizam uma média do IG dos alimentos e normalmente aqueles ricos em açúcar refinado possuem um alto IG e os alimentos com alto teor de fibras e carboidratos complexos possuem um menor IG (3)

Tabela 1 Índice e carga glicêmica dos alimentos

Fonte: Adaptado de Jeukendrup, Asker, Nutrição no esporte: Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício – 3.ed. – Santana de Parnaíba (SP) –  Manole, 2021

Fibras

As fibras alimentares são carboidratos que resistem à digestão e absorção, podendo ou não serem fermentadas no intestino grosso. Estão presentes principalmente nas leguminosas (feijão, grão-de-bico, lentilha), cereais integrais (aveia, centeio, arroz integral, quinoa), frutas, vegetais e sementes.

Os grãos integrais são aqueles que não passam por um processo de refinamento, e são preservados o farelo (casca que contém fibra), gérmen (fonte de gordura e proteínas) e endosperma (fornece amido e proteínas) do grão, possuem nutrientes benéficos incluindo as fibras, vitaminas, antioxidantes e fitoquímicos: Arroz integral, aveia, trigo e farinha de trigo integral, centeio, cevada, trigo sarraceno, pipoca, amaranto e psyllium (6)

Esses alimentos ricos em fibras possuem efeito glico-regulatórios, limitando a secreção de insulina por retardar o esvaziamento gástrico e o pico glicêmico. Estudos epidemiológicos mostram que o consumo de grãos integrais possui fatores protetores contra o câncer, doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade (6)

As fibras escapam da digestão no intestino delgado e são fermentadas no intestino, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). Estes diminuem o pH colônico e servem de energia para os colonócitos podendo alterar os lipídeos do sangue melhorando o ambiente intestinal (7)

Existe uma classificação das fibras em dois grupos: Solúveis e insolúveis. As fibras solúveis se dissolvem em água e formam um gel no trato gastrointestinal, retardando a absorção de nutrientes e ajudando a manter os níveis de açúcar no sangue. Elas também ajudam a reduzir os níveis de colesterol LDL (ruim) no sangue, o que pode reduzir o risco de doenças cardíacas. As fibras solúveis incluem pectina, gomas, mucilagem, frutanos (inulina e frutooligossacarídeos) e alguns amidos resistentes, presentes nas frutas, vegetais, aveia e cevada (8)

As fibras insolúveis não se dissolvem em água e passam pelo trato gastrointestinal sem serem digeridas. Elas ajudam a promover a regularidade intestinal e prevenir a constipação, pois dão volume ao bolo fecal. Incluem lignina, celulose e hemicelulose, presentes em grãos integrais, farelo, nozes e sementes (9)

A recomendação diária de fibras (RDA) para homens e mulheres saudáveis é de 38g/dia e 25g/dia, respectivamente. Vamos utilizar uma média de 30g/dia para os exemplos a seguir (9)

Uma meta-análise mostrou que o consumo regular de fibras em torno de 25 a 29 g por dia reduziu em 15-30% a mortalidade por causas de doença cardiovascular, acidente vascular cerebral, diabetes tipo 2 e câncer colorretal, e em estudos clínicos houve diminuição do peso corporal, diminuição da pressão arterial sistólica e colesterol total (10)

Os alimentos fonte de fibras possuem os dois tipos com a predominância de alguma delas, e as fibras solúveis são as principais reguladoras dos picos de glicose na alimentação. Então, por exemplo, se consumirmos um pão branco sozinho, logo a glicemia irá subir rapidamente, enquanto se adicionamos algum tipo de fibra solúvel na mesma refeição, esta irá atrasar o esvaziamento gástrico e não permitirá que a glicemia suba tão rapidamente. Essa é a principal diferença entre um pão branco e um pão integral rico em fibras, além de promover maior saciedade. As proteínas e gorduras também podem trazer este efeito de diminuição do índice glicêmico dos alimentos, mas iremos focar nas fibras alimentares.

Vamos considerar o café da manhã típico do brasileiro: Pão francês com manteiga e leite integral com café. Em média temos 1,4g de fibras no total dessa refeição, o que representa 4,6% das necessidades diárias, uma quantidade baixa se compararmos com um café da manhã com 2 fatias de pão integral com 1 ovo, 200ml de leite desnatado com café e meio mamão papaia com 20g de aveia que resultaria em 7g de fibra, cerca de 21% das necessidades diárias de fibras dietéticas.

Além das fibras dietéticas, ou seja, as fibras contidas nos próprios alimentos, existem também as fibras funcionais que são extraídas e isoladas ou sintetizadas para serem incluídas na dieta e trazer benefícios à saúde. Incluem B-glucanas, celulose, frutanos, pectina, psyllium e amido resistente (9)

Podemos utilizar essas fibras funcionais em preparações e incluir na rotina alimentar de indivíduos que não atingem a quantidade necessária de fibras em diversas variações (como em receitas de bolo fit, por exemplo). Vamos utilizar o exemplo do café da manhã pobre em fibras (pão com manteiga e leite com café), poderíamos incluir um overnight oats, uma preparação à base de iogurte e aveia, que deve ser preparada a noite e consumida na manhã seguinte:

varios sacos com fibras dentro

Overnight Oats

  • 170 g Iogurte desnatado
  • 20 g de aveia em flocos
  • 5 g de chia
  • 100 g de morangos picados
  • Total de fibras: 8,7g
  • Total calórico: 217kcal

O café da manhã com pão, leite, café mais overnight oats passaria de 1,4 de fibras para 10g de fibras, diminuindo o pico de glicose sanguínea, conferindo mais saciedade e melhorando o trânsito intestinal.

Agora vamos pensar num lanche da tarde. Uma crepioca recheada com queijo branco. Por que não incluir uma fibra funcional na sua preparação e deixá-la muito mais nutritiva, eficiente e diminuir o índice glicêmico?

um pote com frutas vermelhas

Crepioca comum

  • 2 ovos
  • 40 g de goma de tapioca
  • 50 g de queijo minas
  • Total de fibras: 0,4g
  • Total calórico: 345kcal

um prato branco com uma crepioca

Crepioca funcional

  • 2 ovos
  • 20 g de goma de tapioca
  • 50 g de queijo minas
  • 20 g de aveia em flocos + 5g de chia
  • Total de fibras: 4 g
  • Total calórico: 400 kcal

um prato branco com uma crepioca funcional

Fibras funcionais

As fibras funcionais são aquelas extraídas e isoladas ou sintetizadas que podem ser incluídas na alimentação na forma de farelos ou podem ser suplementadas facilitando a adequação das fibras na dieta (9)

Psyllium

Psyllium é nome utilizado para as fibras retiradas da planta Plantago ovata, com característica hidrossolúvel e geleificante. É uma fibra muito interessante de ser utilizada pois possui baixa fermentabilidade. Assim como as demais fibras solúveis, o psyllium tem a capacidade de reduzir os picos de glicose, além de reduzir o apetite e dar volume às fezes, melhorando o trânsito intestinal (11)

psyllium

B-glucanos

É uma fibra solúvel encontrada em grãos de cereais como trigo, aveia e cevada. Ajudam no controle dos lipídeos no sangue, reduzindo a absorção de colesterol no intestino e diminuindo os níveis de glicose, pois retardam o esvaziamento gástrico.  (11)

Pectinas

É uma fibra solúvel encontrada na parede celular de muitas frutas e vegetais, podendo ser fermentada pela microbiota intestinal e possui menor viscosidade em relação ao B-glucano. Em um teste de 4 semanas com suplementação de 20g de pectina em humanos, houve redução significativa nos níveis de glicose e demais estudos mostraram melhora na glicose em jejum e diminuição do peso corporal (12)

Inulina

Frutanos do tipo inulina são encontrados em muitas frutas e vegetais e a inulina é encontrada principalmente na raiz da chicória. A suplementação de 20g de inulina em humanos com sobrepeso durante 42 dias diminuiu a insulina plasmática e melhorou a sensibilidade à insulina. Além disso uma dose aguda de 24g reduziu a glicose plasmática pós-prandial (13) (14)

Amido resistente

Recebe esse nome por ser capaz de passar pelo intestino delgado sem ser digerido, composto principalmente por grânulos insolúveis. Atinge o intestino distal onde é fermentado e produz AGCC.  A Produção dos AGCC melhora a composição bacteriana do intestino promovendo melhoras metabólicas como a redução dos níveis de glicose sanguínea e insulina em jejum em pacientes obesos com diabetes tipo 2 (12) (15)

Conclusão

Uma dieta balanceada, rica em frutas, legumes, vegetais, grãos integrais é a maneira mais adequada para atingir as necessidades diárias de fibras, visto que esses alimentos também possuem outros benefícios à saúde como antioxidantes, fitoquímicos, vitaminas e minerais. Mas o consumo desses alimentos está cada vez menor, então podemos utilizar ferramentas para melhorar o controle glicêmico da dieta. Alimentos com alto índice glicêmico, isto é, que elevam a glicemia mais rapidamente, podem ser modulados com a inclusão de fibras funcionais, como psyllium, farelo de trigo, aveia, chia e também podemos incluir a suplementação de pectinas, inulina e amido resistente.

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Referências Bibliográficas

1 – Uusitupa, M., et.Al., Prevention of Type 2 Diabetes by Lifestyle Changes: A Systematic Review and Meta-Analysis

2 – Mohammed, K.Ali., et.Al., Interpreting global trends in type 2 diabetes complications and mortality, Diabetologia, 2022

3 – Jeukendrup, Asker, Nutrição no esporte: Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício – 3.ed. – Santana de Parnaíba (SP) –  Manole, 2021

4 – Lattimer, J.M., Haub, M.D., Effects of dietary fiber and its components on metabolic health, Nutrients, 2010

5 – Meyer, K.A., et. Al., Carbohydrates, dietary fiber, and incident type 2 diabetes in older women, Am J Clin Nutr., 200

6 – Munter, J.S.L., et. Al., Whole grain, bran, and germ intake and risk of type 2 diabetes: a prospective cohort study and systematic review, Plos Med., 2007

7 – Slavin, Joanne, Why whole grains are protective: biological mechanisms, Proc Nutr Soc., 2003

8 – Ghanbari-Gohari, F., Mousavi, S.M., Esmailzadeh, A., Consumption of whole grains and risk of type 2 diabetes: A comprehensive systematic review and dose-response meta-analysis of prospective cohort studies, Food Sci Nutr, 2022

9 – Soliman, G.A., Dietary Fiber, Atherosclerosis, and Cardiovascular Disease, nutrientes, 2019

10 – Reynolds, A., et. Al., Carbohydrate quality and human health: a series of systematic reviews and meta-analyses, Lancet, 2019

11 – Belorio, M.,Gómez, M., Psyllium: a useful functional ingredient in food systems, Crit Rev Food Sci Nutr., 2022

12 – Martinez, T.M., Meyer, R.K., Duca, F.A., Therapeutic Potential of Various Plant-Based Fibers to Improve Energy Homeostasis via the Gut Microbiota, Nutrients, 2021

13 – Chambers, E.S., Dietary supplementation with inulin-propionate ester or inulin improves insulin sensitivity in adults with overweight and obesity with distinct effects on the gut microbiota, plasma metabolome and systemic inflammatory responses: a randomised cross-over trial, Gut., 2019

14 – Guess, N.D., A randomized controlled trial: the effect of inulin on weight management and ectopic fat in subjects with prediabetes, Nutr Metab (Lond)., 2015

15 – Gao,C., et. Al., Resistant starch ameliorated insulin resistant in patients of type 2 diabetes with obesity: a systematic review and meta-analysis, Lipds Health Dis., 2019

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