Dieta e Potencial Imunomodulador

A evolução do sistema imune, dieta e microbioma estão interligados. O excesso de alimentação, bem como a desnutrição têm efeito substancial em respostas inflamatórias e no sistema imune.

Em países mais desenvolvidos, dietas ricas em alimentos processados, gordura e açúcar podem contribuir para condições inflamatórias, que estão aumentando em todo o mundo. Dessa forma, a compreensão mais profunda da relação entre dieta e sistema imune é fundamental dado ao seu impacto nas doenças inflamatórias e potencial como mediador de imunomodulação facilmente modificável [1].

Dieta rica em gordura saturada ativa o sistema imunológico e inflamação

Estudos pré-clínicos têm demonstrado que a dieta rica em gordura, principalmente as saturadas, em poucas semanas causam alterações da função imune e inflamação, antes mesmo do início da obesidade [2].

O primeiro local onde a dieta interage com o hospedeiro é o epitélio gastrointestinal, as dietas ricas em gordura têm um importante papel na função da constituição dessa camada, uma vez que diminuem a produção das conhecidas tigh junctions, proteínas que mantêm a barreira física do epitélio intestinal. Esse fato está associado ao aumento da permeabilidade intestinal e translocação de produtos bacterianos [3]. Estudos em humanos também têm associado o aumento de Proteobcteria e Firmicutes e redução de Bacteroidetes a maior inflamação. Corroborando com esses dados, dietas ricas em gorduras saturadas demonstraram alterar a microbiota (aumento de Enterobacteriaceae), e essa alteração pode ser indiretamente afetada pela inflamação imunomediada [4,5].

A dieta rica em gordura saturada foi capaz de aumentar a expressão de quimiocinas (CCL1 e CCL2) e receptores de quimiocinas (CCL2), levando à infiltração de monócitos e linfócitos pró-inflamatórios nos tecidos intestinais[6].

Em contextos específicos, as repostas imunes inatas podem ser induzidas diretamente por ácidos graxos, que são elevados no sangue após refeições ricas em gordura e ativam diretamente o TLR4 nos adipócitos e macrófagos, além de TLR2 nos monócitos para induzir a produção de citocinas [7]. Em adição, ácidos graxos saturados, tais como palmitato, pode diretamente ativar o inflamassoma NLRP3ASC em células mieloides para apoiar o processamento de IL-1β [8].

Finalmente, a gordura dietética pode ter efeitos diretos nas células do sistema imunológico adaptativo, onde os ácidos graxos de cadeia longa, como ácido láurico, induzem a diferenciação das células T auxiliares 17 (Th17) e contribuem para a patologia em modelos animais de neuroinflamação [9].

Aditivos alimentares (açúcares e sal) e reflexo no sistema imune

A dieta ocidental é caracterizada pelo aumento de aditivos, sal e açúcar, para tornar os produtos alimentícios mais duráveis e hiperpalatáveis. O açúcar também é importante modificador direto da resposta imunológica [10]. A glicose é fonte de combustível para o sistema imune inato, sendo importante na diferenciação, proliferação e função de células T CD4+ Th1, neutrófilos, macrófagos pró-inflamatórios e células dendríticas ativadas [11,12].

Contudo, a alta ingestão de glicose também aumenta a diferenciação de Th17 e exacerba modelos de colite e encefalomielite autoimune em camundongos. A limitação do açúcar na dieta demonstrou eficácia substancial no tratamento da doença inflamatória intestinal. O aumento da concentração de sal também tem efeito direto nas células imunológicas, devido a uma quinase sensível ao composto, a quinase SGK1 nas células T CD4+, a qual estabiliza a expressão do receptor IL-23 e aumenta a diferenciação de Th17. Tais alterações induzem a produção de citocinas pró-inflamatórias como TNF-α e IL-2, prejudicando a imunidade em animais que consumiram dieta rica em sal [13,14].

Assim, o sistema imunológico demonstra ser adaptável a dieta, principalmente através de alterações na microbiota intestinal e processos inflamatórios (Figura 1). Uma compreensão profunda da rede de interação que associa a dieta, o microbioma e o sistema imune é importante para conceder dietas a fim de mitigar doenças.

 

 

Figura 1. A dieta rica em açúcar e gordura contribui para reduzir a diversidade do microbioma e ativar as células imunes inflamatórias (monócitos, macrófagos e neutrófilos) a fim de produzir citocinas infamatórias como IL-1β e TNF-α. Dessa forma, ocorre aumento da inflamação no intestino e elevação de Enterobacteriaceae e Enterococcaceae, perda da diversidade bacteriana e aumento da permeabilidade intestinal [15].

 

Referências

[1]            Burr AHP, Bhattacharjee A, Hand TW. Nutritional Modulation of the Microbiome and Immune Response. The Journal of Immunology 2020;205:1479–87. https://doi.org/10.4049/jimmunol.2000419.

[2]            Ji Y, Sun S, Xia S, Yang L, Li X, Qi L. Short term high fat diet challenge promotes alternative macrophage polarization in adipose tissue via natural killer T cells and interleukin-4. Journal of Biological Chemistry 2012;287:24378–86. https://doi.org/10.1074/jbc.M112.371807.

[3]            Okumura R, Takeda K. Roles of intestinal epithelial cells in the maintenance of gut homeostasis. Exp Mol Med 2017;49. https://doi.org/10.1038/emm.2017.20.

[4]            Le Chatelier E, Nielsen T, Qin J, Prifti E, Hildebrand F, Falony G, et al. Richness of human gut microbiome correlates with metabolic markers. Nature 2013;500:541–6. https://doi.org/10.1038/nature12506.

[5]            Carvalho FA, Koren O, Goodrich JK, Johansson MEV, Nalbantoglu I, Aitken JD, et al. Transient inability to manage proteobacteria promotes chronic gut inflammation in TLR5-deficient mice. Cell Host Microbe 2012;12:139–52. https://doi.org/10.1016/j.chom.2012.07.004.

[6]            Kawano Y, Nakae J, Watanabe N, Kikuchi T, Tateya S, Tamori Y, et al. Colonic Pro-inflammatory Macrophages Cause Insulin Resistance in an Intestinal Ccl2/Ccr2-Dependent Manner. Cell Metab 2016;24:295–310. https://doi.org/10.1016/j.cmet.2016.07.009.

[7]            Shi H, Kokoeva M V., Inouye K, Tzameli I, Yin H, Flier JS. TLR4 links innate immunity and fatty acid-induced insulin resistance. Journal of Clinical Investigation 2006;116:3015–25. https://doi.org/10.1172/JCI28898.

[8]            Wen H, Gris D, Lei Y, Jha S, Zhang L, Huang MTH, et al. Fatty acid-induced NLRP3-ASC inflammasome activation interferes with insulin signaling. Nat Immunol 2011;12:408–15. https://doi.org/10.1038/ni.2022.

[9]            Haghikia A, Jörg S, Duscha A, Berg J, Manzel A, Waschbisch A, et al. Dietary Fatty Acids Directly Impact Central Nervous System Autoimmunity via the Small Intestine. Immunity 2015;43:817–29. https://doi.org/10.1016/j.immuni.2015.09.007.

[10]          Cordain L, Eaton B, Sebastian A, Mann N, Lindeberg S, Watkins BA, et al. Origins and evolution of the Western diet: health implications for the 21st century 1,2. 2005.

[11]          Suskind DL, Wahbeh G, Cohen SA, Damman CJ, Klein J, Braly K, et al. Patients Perceive Clinical Benefit with the Specific Carbohydrate Diet for Inflammatory Bowel Disease. Dig Dis Sci 2016;61:3255–60. https://doi.org/10.1007/s10620-016-4307-y.

[12]          Zhang D, Jin W, Wu R, Li J, Park SA, Tu E, et al. High Glucose Intake Exacerbates Autoimmunity through Reactive-Oxygen-Species-Mediated TGF-β Cytokine Activation. Immunity 2019;51:671-681.e5. https://doi.org/10.1016/j.immuni.2019.08.001.

[13]          Kleinewietfeld M, Manzel A, Titze J, Kvakan H, Yosef N, Linker RA, et al. Sodium chloride drives autoimmune disease by the induction of pathogenic TH 17 cells. Nature 2013;496:518–22. https://doi.org/10.1038/nature11868.

[14]          Wu C, Yosef N, Thalhamer T, Zhu C, Xiao S, Kishi Y, et al. Induction of pathogenic TH 17 cells by inducible salt-sensing kinase SGK1. Nature 2013;496:513–7. https://doi.org/10.1038/nature11984.

[15]          Burr AHP, Bhattacharjee A, Hand TW. Nutritional Modulation of the Microbiome and Immune Response. The Journal of Immunology 2020;205:1479–87. https://doi.org/10.4049/jimmunol.2000419.

 

 

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