Embora existam outros ciclos que variam milissegundos, o ciclo circadiano está entre os mais estudados da literatura científica, visto seus diversos impactos na saúde humana. O ritmo circadiano consiste em ritmos endógenos com periodicidade de cerca de 24h que geram ciclos transcricionais e são responsáveis por regular os principais sistemas fisiológicos dos mamíferos1.
Este ciclo pode ser definido como um conjunto de proteínas dividido em duas categorias principais, o relógio principal e os periféricos1. O relógio interno central, denominado núcleo supraquiasmático (NQS) ou “relógio mestre”, está localizado na parte anterior do hipotálamo e é composto por cerca de 20.000 neurônios, o qual sincroniza outros relógios periféricos identificados em numerosos tecidos como fígado, pâncreas rim, coração, cérebro, pele, retina, entre outros, os quais agem de forma autônoma1.
Para todos os organismos vivos, a sincronização do relógio biológico com o ambiente é um dos fatores de extrema importância para garantir a saúde e até mesmo a sobrevivência (Figura 1). Além disso, diversos processos fisiológicos e comportamentais como secreção hormonal, padrões de sono, performance cognitiva e metabolismo são regulados por esse ciclo. Devido a uma hierarquia existente dos relógios circadianos de mamíferos, alterações de SCN sugere uma perda do relógio central resultando em dessincronia de relógios circadianos periféricos.
Figura 1. O ambiente urbano e os efeitos na crononutrição e saúde. (Adaptado de POT, 2018).
Ciclo circadiano: funcionamento e seus benefícios
O ciclo circadiano envolve mecanismos de retroalimentação positiva e negativa em seu funcionamento, além disso, conta com elementos ambientais sincronizadores de ritmos biológicos, os denominados zeitgebers, os quais podem ser tanto a luminosidade e temperatura, quanto glicocorticóides, melatonina, prostaglandinas, epinefrina, norepinefrina, glicose, angiotensina II e ácido retinóico, agindo de maneira específica de acordo com a célula1.
O núcleo supraquiasmático é influenciado pela luz do ambiente durante o dia e pela melatonina durante a noite3, sendo assim, a desregulação dos ritmos circadianos e a secreção de melatonina representam uma interferência comum no trabalho por turnos e outros distúrbios circadianos. A luminosidade, por sua vez, é um fator de extrema importância para a secreção da melatonina por meio da glândula pineal à noite em condições normais de claro/escuro, visto que a via principal para a síntese desse hormônio parte das células ganglionares da retina que recebe os impulsos claro-escuro, os quais a atingem o núcleo supraquiasmático do hipotálamo através do trato retino-supraquiasmático. Posteriormente, os estímulos atingem o núcleo paraventricular do hipotálamo, medula espinhal e gânglio cervical superior, e a indução da síntese da melatonina ocorre após a estimulação de receptores b e a-noradrenérgicos e, assim, é liberada na circulação e sua distribuição para todos os órgãos devido à sua lipossolubilidade (POYARES 2005).
Sendo assim, o sono, caracterizado como uma manifestação do ritmo circadiano, pode ser desregulado quando o ciclo de sono-vigília do indivíduo é inadequadamente cronometrado em relação à noite biológica ou até mesmo quando a alimentação está desalinhada com outros ritmos biológicos. Alguns estudos experimentais conduzidos em modelos animais e humanos forneceram evidências de mecanismos potenciais que vinculam o desalinhamento a resultados negativos à desregulação dos comportamentos alimentares, mudanças nos hormônios estimulantes do apetite, metabolismo da glicose, humor e até mesmo desenvolvimento de doenças5.
O sistema fisiológico é capaz de regular a massa corporal e envolve diversos componentes, tanto centrais como periféricos, os quais interagem com os aspectos ambientais, como a disponibilidade e a composição da dieta e a atividade física, influenciando, assim, a massa corporal6. Sabendo-se que a remoção parcial ou supressão do sono em um organismo é conhecida como privação de sono, um estudo realizado em 2008 mostra que esta privação corrobora para uma série de alterações tanto de padrões de fome e saciedade, quanto alterações cognitivas, metabólicas, imunológicas e hormonais, principalmente sobre o balanço energético, evidenciado pelo aumento do apetite, causado pela redução da liberação de hormônios que induzem à saciedade8.
Considerações finais
Em resumo, há uma íntima relação entre cronótipo noturno e o desalinhamento do período de sono-vigília afetando os mecanismos fisiológicos de todo o organismo e, assim, corroborando para o descontrole do peso, aspectos emocionais e mentais perturbados, queda do sistema imune, entre outros.
Referências bibliográficas
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